S. JOÃO
Há muitos anos que não ia ao S. João ao Porto, se exceptuarmos um salto ali ao Passeio Alegre, para comprar um manjerico. Nem sei bem porquê este meu divórcio da popular festa joanina. Se calhar, por preguiça. Mas este ano, decidi convidar uns companheiros da guerra colonial, do sul, a virem até ao Porto, conviver um pouco e usufruir de uma festa popular única, dizia-lhes eu, como eles nunca tinham visto. O S. João do Porto. Na mente, eu tinha a recordação das muitas noites passadas a calcorrear ruas que eu conhecia de ginjeira, mas que, naquela noite, ganhavam um encanto especial. Um mar de gente a descer os Aliados, a subir a 31 de Janeiro, escolher aí entre virar para a Santa Catarina, que era outro mar de gente, ou optar por uma descida até às Fontaínhas verdadeiramente aos apertões. A cada três passos, uma pancadinha carinhosa de um alho-porro, primeiro e, depois, de um martelinho que assobiava ao bater, quando não um esfreganço suave de um molho de cidreira pela barba a essa hora já crescida. O que se ia retribuindo com a mesma gentileza, sempre armados, agressores e agredidos, de um sorriso que parecia perguntar que tolice era aquela. O passeio terminava com uma descida de Passos Manuel, um viranço para a Sá da Bandeira, uma paragem na Brasileira ou nos cafés de Sampaio Bruno, para uma meia de leite e meia torrada, uma ou outra vez substituído o café pelo chocolate. Descansados os calcantes, era chegar à Praça da Liberdade e subir os Clérigos até aos Leões, onde a romaria se dava por terminada. Cansados, mas alegres, lá regressávamos a penates.
Era mais ou menos isto que eu esperava ir mostrar aos meus camaradas de guerra que de S. João não sabiam nada. Mas o que aconteceu foi uma profunda decepção. Chegados à Praça da Liberdade para começar o trajecto, era já quase meia-noite, eis que se vê uma multidão razoável a descer para a Almeida Garrett e para a Mouzinho da Silveira. Interrogação, mas logo me recordei. Ia tudo ver o fogo de artifício, lá em baixo no rio. Bom. Em tempos isso não contava para o S. João, mas vamos lá esperar. De fogos de artifício estavam os meus amigos cheios. E lá fomos dando uma volta pelas ruas citadas quase desertas. A tal ponto que a única martelada a que tivemos direito a subir 31 de Janeiro foi dada por aquele personagem típico que está sempre à frente das câmaras de televisão nos sítios mais inacreditáveis e que afirma ter relações de parentesco com o Pinto da Costa.
Quando o ruído do fogo deu sinal deste haver terminado, lá nos preparei eu para a passeata antiga. Agora é que vocês vão ver, afirmei. E chegámo-nos de novo à Praça da Liberdade. Só para ver aquele rio de gente que víramos a descer, subir agora apressadamente para a Praça do Município, para ir ver o Tony Carreira. E as ruas que referi continuavam desoladoramente vazias de gente.
Encolhi os ombros, murmurei uma desculpa qualquer para os meus camaradas e pensei com os meus botões: tanto andaram com originalidades que mataram o S. João do Porto. E fui dormir.
Magalhães Pinto, em RÁDIO CLUBE DE MATOSINHOS, em 28/6/2011
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