PREOCUPAÇÕES
É com preocupação que vejo surgir como possibilidade o facto de Eduardo Catroga e Fernando Nogueira, os artífices governamentais dos últimos tempos da era “Cavaco”, regressarem ao governo do país. Para os que já não se recordam, lembrarei que, quando Primeiro-Ministro, Cavaco Silva anunciou a sua retirada das lides governamentais em 22 de Janeiro de 1995. Mas já bem antes se pressentia isso. Mais ou menos desde Outubro de 1994. Era segundo homem forte da governação Fernando Nogueira e era Ministro das Finanças Eduardo Catroga. E também estava claro que Cavaco Silva se afastaria da Direcção do Partido. Foi notoriamente que, numa atitude eticamente correcta, o então líder do Governo e do Partido se afastou, mais ou menos discretamente, das responsabilidades governativas e partidárias, ambas em fim de mandato, deixando as responsabilidades respectivas para aqueles dois próceres de então. O que veio a acontecer já todos terão na memória. Fernando Nogueira perdeu as eleições seguintes para António Guterres e, porque mudou o Governo, Eduardo Catroga deixou de governar. Não sem antes terem dado luz verde, senão mesmo provocado, a até então maior operação financeira em Portugal, o assalto ao BPA por parte do BCP. O comportamento, nessa operação, dos dois governantes está por mim descrito com pormenor no livro “A OPA”, edição da Vida Económica, publicado em 1996. E não foi, de modo nenhum, inteiramente isenta. David engoliu Golias, então, em condições que, no mínimo, se podem considerar muito pouco transparentes.
Abandonado o serviço público por Eduardo Catroga e substituído no Partido Fernando Nogueira, os dois buscaram na actividade empresarial a sua subsistência, que admito poder ter conhecido algumas dificuldades. Eduardo Catroga voltou ao Grupo Económico onde trabalhava anteriormente e Fernando Nogueira passou a empregado bancário no Grupo BCP, no modesto lugar de Presidente de um dos bancos subsidiários deste.
Guardei, desde então, uma má recordação dos dois homens públicos. Acentuada por um facto de que nunca mais me esqueci. Vivendo a OPA muito por dentro, sabendo que ela estava sendo feita com atropelo das regras prudenciais bancárias, procurei falar então com Fernando Nogueira, para o alertar de tais atropelos. Não tinha eu, apenas, a qualidade de envolvido na OPA pelo lado que se opunha ao BCP. Tendo sido companheiro de Fernando Nogueira na Comissão Política Nacional do PSD, tendo ao lado dele travado várias batalhas - de que recordo duas com alguma nitidez, a eleição de Barbosa de Melo para Presidente da Assembleia da República, em oposição a Montalvão Machado, e a sua “cabeça de lista” no Porto para as eleições legislativas de 1991, novamente em oposição de novo a Montalvão Machado, mas na qual se enrolou um problema de posicionamento de Filipe Meneses e Pacheco Pereira – esperava que ele me recebesse. Esperança vã, pois sempre recusou fazê-lo.
Deixo ao Leitor a responsabilidade de entender se estou falando com despeito próprio ou se tenho alguma razão para a má impressão sobre a qualidade governativa dos dois, guardada desde então. O que aconteceu com o BCP, ao fim de algum tempo, mostra a qualidade das decisões então tomadas pelos dois governantes. Mas nem sequer é isso que me preocupa. Explico a preocupação.
Eduardo Catroga teve uma intervenção visível nos últimos tempos. Independentemente da qualidade técnica do que eventualmente tenha produzido, deu a impressão de estar irremediavelmente envelhecido. Protagonizou episódios pouco recomendáveis, chegando ao ponto de ser glosado no anedotário popular. Tenho mesmo a opinião pessoal de que, precisando de um especialista para se entender com Teixeira dos Santos, Pedro Passos Coelho só tinha dois a quem recorrer. Manuela Ferreira Leite, com a sua reconhecida competência, e Eduardo Catroga, que estava à mão de semear. Preferiu o segundo à primeira por razões que são fáceis de adivinhar. Mas Portugal precisa de um Ministro das Finanças muito forte, como todos os especialistas reconhecem. Já não temos o Professor Ernâni Lopes. Mas é de alguém com a sua autoridade, com a sua competência, com a sua personalidade forte, com a sua coragem, que Portugal precisa. Não tenhamos dúvida de que vai ser esse Ministro, juntamente com o Primeiro, que vão sofrer as agruras das difíceis medidas que há que adoptar. Catroga não é, óbviamente, alguém com esse perfil.
Fernando Nogueira mostrou, nos idos de 1995, quando se afastou da política, uma falta de princípios assinalável. Tendo estado envolvido, como esteve, na OPA do BCP sobre o BPA, nunca deveria ter aceitado “uma reforma dourada” como presidente de uma instituição financeira do contendor vencedor, numa luta tão evidentemente patrocinada pelo Governo onde ele estava. E, conhecidas as alterações que actualmente se verificam no BCP, o seu regresso à política na mó de cima é naturalmente preocupante. Se vier a estar no próximo Governo, a quem é que Fernando Nogueira vai realmente servir? Nesta hora grave, Portugal precisa de servidores dedicados e não de marinheiros (aqueles que usam as marés) políticos. Portugal precisa de amor corajoso e não de sagacidade oportunista. Portugal precisa, enfim, de políticos novos que façam uma política nova, brava, de verdade.
Quando estas notas virem a luz do dia, já saberemos, seguramente, quem consituirá o novo Governo. Nunca o meu desejo de muitas felicidades para um novo governante foi tão imperioso. Não porque a minha certeza de tudo vai melhorar seja grande. Mas sim porque sou alimentado pela pequena esperança de que melhore. Para já um pouco cega, dada a inexperiência do novo Primeiro-Ministro. Esperemos que não tenha necessidade de abrir os olhos. O que passa, neste primeiro momento, pelo acolhimento de um governo competente e não vaidoso. Constituído por ministros que compram os seus fatos no outlet e que não vão à Califórnia fazê-los por encomenda. Por ministros que tragam os filhos nas escolas públicas e não em colégios da estranja. Por ministros que até podem ser pouco experientes politicamente mas corajosos, verdadeiros, de manga arregaçada e, pode mesmo ser, sem gravata. Por ministros que sejam capazes de dizer corajosamente à Europa que esta não pode dizer-nos que temos de produzir o que comemos e, simultâneamente, pagar-nos para não produzir, seja ele agricultura ou pescado.
É por um Governo assim que eu espero. Com o credo na boca para não ficar desiludido. É quando a esperança é pequena que mais amargo se torna vê-la dissolver-se.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 16/6/2011
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