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15.6.11

MEMÓRIA

DE MAL A PIOR

Para ser franco, não acho que este Governo tenha feito mais asneiras do que qualquer outro. Em circunstâncias normais, as medidas que adoptou, desde que foi empossado, seriam suficientes para iniciar a mudança de estado de espírito dos agentes económicos portugueses vigente nos últimos anos. Dure o tempo que durar, ficará no seu activo a reforma que fez da Lei do Arrendamento. Se levarmos mais longe a nossa análise e pensarmos - como a Oposição tão bem faz sentir - que este Governo é o prolongamento do Governo de Durão Barroso, mais créditos haverá. Como a reforma da Lei do Trabalho, por exemplo. Já são duas reformas extremamente difíceis, a pedir muita coragem política. E podemos adicionar ainda, para além das coisas pequenas, a tentativa de pôr alguma disciplina na despesa do Estado. Já tivemos Governos que fizeram muito menos e não adquiriram tão má imagem quanto este. O que, se quisermos ser justos, nos deve conduzir a análise a maior profundidade, na tentativa de conhecer porque é que, sendo assim, o Governo está em tão maus lençóis.

Em primeiro lugar, surge a questão da legitimidade com que nasceu. Não que ela inexista. Mas a imagem que dessa (i)legitimidade foi criada superou-a. Santana Lopes não havia sido eleito senão pelas bases do seu Partido e, mesmo assim, para ser apenas vice-presidente. Na altura em que Barroso ganha o lugar de Presidente do PSD, a inclusão de Santana como primeiro vice-presidente do Partido teve todo o ar de negociação entre eles. Sabemos que Santana Lopes sempre teve indefectíveis apoiantes entre os militantes. Mas também se sabe que, nas sucessivas ocasiões em que se atreveu a enfrentar os líderes, reais ou putativos, perdeu. Isto é, mesmo dentro do seu Partido, Santana Lopes foi sempre minoritário. Na difícil sucessão de Barroso, o Senhor Presidente da República decidiu como decidiu e, provavelmente, decidiu bem. Mas a Oposição partiu daí para uma guerra sem quartel. De que a contestação da legitimidade da decisão do Senhor Presidente da República foi apenas o primeiro passo. Criada a dúvida sobre a legitimidade do Governo, toda a contestação posterior se tornava mais fácil. Porém, tal fenómeno não podia ser inesperado para Santana Lopes, depois do longo período de reflexão que antecedeu a sua indigitação como Primeiro-Ministro. Teve ao seu alcance, em minha opinião, a possibilidade de produzir uma decisão brilhante para o seu futuro político. Bastaria, para tanto, que convidasse para o lugar uma prestigiada figura independente, naturalmente ideologicamente do centro-direita, e ficasse a aguardar, tranquilamente, novas eleições nas quais fosse legitimado. Com a virtude de não estar comprometido com o aperto de cinto a que Durão Barroso fora obrigado a recorrer. Mas não fez isso. A pressa de chegar a Primeiro-Ministro deve ter sido mais forte. Ou, então, razões que eu não sou capaz de atingir tê-lo-ão forçado a assumir o cargo. Tinha assegurado, um dia, estar escrito nas estrelas que seria primeiro-ministro, só não sabia quando. Acho que esse foi o mal. Não saber quando.

Sabendo o que o esperava, o Primeiro-Ministro deveria ter tido muito cuidado. Não apenas com a constituição do seu Governo, mas também com o controlo dos seus Ministros. Parece não ter acontecido a primeira e não está a acontecer a segunda. A necessidade de aquisição de credibilidade, combalida à nascença, foi simplesmente desprezada. E o resultado não podia ser pior. Hoje, acima de tudo, o Governo defronta-se com uma incrível falta de credibilidade. Faça o que faça, ninguém acredita. É verdade que a Oposição faz tudo para que essa imagem se não dilua. Mas esse é o também o papel das Oposições. Ao Governo cumpria, por actos, por comportamento, por atitude, desmentir a Oposição. Se esse foi objectivo, que canhestro se tem mostrado o Governo. Que ingénuos os Ministros. Alguns dos quais, para corolário, têm comprado guerras a torto e a direito! Designadamente a guerra com a Comunicação Social. Foi um acto de desespero, eu sei. Mas Governos e Primeiros-Ministros não podem nunca deixar-se conduzir por desesperos. A compra de guerras foi o pior que podia ter acontecido para a credibilidade do Governo.

Para piorar o que era mau, a falta de credibilidade reina já, também, nas hostes que deviam apoiar o Governo. O Partido Popular só aguenta a coligação porque o ónus maior acabará sempre por não recair sobre si. Isto é, é o que perde menos. E se Durão Barroso conseguiu sempre manter o líder do PP na sua real dimensão, nunca deixando transparecer ser por ele dominado - e, provavelmente, não era - Santana Lopes, pelo contrário, conseguiu o facto incrível de concentrar sobre si todo o ónus da má imagem. Na qual a incredibilidade é acentuada pela repetida referência ao Governo de Santana/Portas. Isto é, o Governo surge na praça pública como tendo dois líderes. O que, naturalmente, conduz a que se tenha daquele que devia ser único uma imagem de confrangedora fraqueza. No PSD, todos aqueles que, ou nunca gostaram de Santana Lopes ou sempre odiaram Portas pelo que fez ao último Governo do Professor Cavaco Silva, encolhem os ombros e deixam correr o marfim, não se mostrando dispostos a terçar armas por alguém de quem não gostam.

A cereja no topo deste bolo bastante amargo para Santana Lopes - e para a direita em geral - foi colocada, em minha opinião, precisamente por Cavaco Silva. Os Portugueses podem não o ter eleito Presidente da República à primeira. Mas não se esquecem de que foi com ele que, em dez anos, Portugal abandonou a cauda da Europa, em termos de desenvolvimento económico e social. Um lugar a que, inexoravelmente, está a retornar, por empobrecimento imparável. E o convite que o Professor fez, para que os políticos competentes do nosso país voltassem à liça e tomassem os destinos do País nas mãos, é mortal para o Governo. É mortal porque é extraordinariamente simples e compreensível. É mortal porque corresponde a um anseio que se sente a vegetar entre a população. É mortal porque provém de uma voz autorizada. E é mortal porque surge no momento em que ainda é possível impedir este Governo de chegar ao fim da legislatura. Para que a interrupção se dê, para que o Senhor Presidente da República possa tomar a decisão de dissolução da Assembleia da República, apenas falta um de dois fenómenos. Ou que o próprio Primeiro-Ministro renuncie. O que, em princípio, seria improvável. Ou que haja nas ruas agitação suficiente. O que Mário Soares bem compreendeu, ao lançar o incrível grito de "vamos todos para a rua" (figurado).

Neste quadro, o Governo não tem qualquer hipótese de levar a bom termo o mandato. Faça o que fizer, não parece que possa já recuperar uma imagem de credibilidade. As sucessivas demissões ou remodelações apenas contribuem para reduzir, cada vez mais, o espaço de manobra do Primeiro-Ministro, já de si inexistente. Assim, o mais natural é que venhamos a ter, em 2005, eleições legislativas. Com todos os atrasos consequentes. Com a estagnação das políticas tão necessárias. Das reformas imperiosas. Do País.

Isto é, não é apenas o Governo que vai de mal a pior. O País também vai.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 30/11/2004

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