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26.12.06

RETALHOS LITERARIOS


... dava-lhe ares meu do meu velhote que estranho dado que o meu velhote uma bicicleta tombada com a qual a minha mãe se embravecia, não me apetece que chova, para quê chover, não necessito do telhado, do alpendre, da janela, das folhas, na janela malvas, campos, não distingo os algarismos do relógio, distingo os pontinhos dos segundos, o cotovelo do meu marido que se afasta da cara e ele pela primeira vez desde há anos a olhar-me, a espantar-se de olhar e continuando a olhar-me, a mão dele no espaço do meu corpo entre o ombro e o peito, vontade de apertá-la com a minha mão contra mim

- Aleija-me

apesar de eu uma cadela habituada a roçar a miséria do ventre aberto no chão não por desejo, outra coisa, nunca tive desejo nem me apeteceu que um cachorro, era o cerebelo ou o timo, não eu, eu ausente conforme a minha mãe ausente

- Que sina

não sei o que pensam os cães e não sei o que penso, o cerebelo e o timo levantam-me a garupa e separam-me as coxas enquanto eu, palavra de honra, imóvel diante da cómoda de Vila Viçosa ou de Elvas com as pegas de metal...

Excerto de ONTEM NÃO TE VI EM BABILÓNIA - António Lobo Antunes - página 352

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Basta. Há alturas intelectuais aonde não chego. Kafka é o meu limite.

1 comentário:

GP disse...

Agradecia a tradução para português... Línguas estrangeiras ou dialectos não são o meu forte.