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22.12.06

RETALHOS LITERARIOS

De certo modo, a CULTURA está para a parte mais nobre do nosso ser, o espírito, como os bens materiais para o nosso corpo, para as nossas necessidades materiais. Por um lado, somos nós que os produzimos, tanto a CULTURA como os bens materiais. E, por outro lado, não podemos viver felizes sem ambos, os bens materiais e a CULTURA. Todavia, é através da CULTURA que nos tornamos imortais. O corpo, que produzimos ao longo da nossa vida, esboroa-se, desvanece-se, desaparece. O produto do nosso espírito permanecerá muito para além da nossa morte, podendo mesmo ser eterno. Do corpo de Camões só resta, na urna que está nos Jerónimos, uma réstea de poeira. A sua obra viverá enquanto houver um Português.

Tal como as matérias primas necessárias à produção dos bens materiais são múltiplas, variadas, também a CULTURA precisa de elementos racionais, de elementos sentimentais e de elementos da vontade. Porque a razão, o sentimento e a vontade são a essência dos homens, do Homem, da Humanidade.

Isso deveria chegar para darmos tanta atenção aos bens materiais como aos bens do espírito. Mas a nossa experiência conta que não é assim. O desenvolvimento das condições materiais da vida do Homem opõe-se a sua desumanização, a sua aculturação. As nossas diferenças, que fazem muito da nossa riqueza, esbatem-se, Somos cada vez mais iguais, Somos, por isso, cada vez menos cultos. Mas cada vez mais parecemos dar menos dos nossos cuidados à CULTURA. Que nos faz. Que faz de nós seres especiais no Cosmos. Será este o caminho da perfeição?

Pode ser que sim. Pode ser que nesta batalha dialéctica entre o Homem-material e o Homem-moral, este último tenda a ser o vencedor. Mas também pode ser que não. E, no entanto, é necessário que o saibamos. O Homem só verdadeiramente transcende essa limitação, essa negação do seu próprio conceito, que a morte constitui, ao descobrir um sentido para a sua vida. Sem esse sentido, sem esse norte, sem essa libertação das peias da sua vida natural, o Homem, enquanto tal, é um nado-morto.

Mas neste meio da caminhada, a descoberta de um sentido para a nossa existência depende da análise da nossa própria natureza. Não a de cada um de nós, obviamente, mas a nossa natureza colectiva, a natureza do Homem, não a dos homens, a natureza da Humanidade.

Excerto da conferência CULTURA - Magalhães Pinto - Março de 2003

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