(continuação)
XXXVI
As emboscadas armam-se de noite. Em terrenos previamente escolhidos. A oferecerem razoável protecção aos que esperam e quase nenhuma aos que nela caiam. Quando alvorecer, tudo deve já estar no seu lugar, a postos para atear o inferno. Como aranhas pacientes, os homens tecem a teia feita de invisíveis linhas de tiro. Invisíveis mas reais, mortíferas, se a emboscada resulta. A teia abrange completamente o campo de morte - o matadouro da gíria – tal e qual se aprende nos manuais militares em tempo de instrução. Os homens instalam-se com a comodidade possível. A espera pode ser longa. Agachados, sentados, deitados, com os elementos naturais do terreno a servirem de protecção e esconderijo. A vegetação ajuda, confundindo-se com o matiz dos camuflados. Os capacetes foram previamente camuflados também, não fora rebrilharem ao sol, denunciando a presença antes do tempo. Alguns homens, mais imprudentes, usam o quico em sua substituição. Uns fazem-no por incapacidade de suportarem a fogueira do seu interior logo o sol esteja a pino. Outros por superstição. Outros por puro divertimento. Há de tudo. Boinas senegalesas e, até, chapéus à cóboi. Nas culatras das armas, são introduzidos os cartuchos. Para bem resultar, a chinfrineira deve começar com as primeiras mortes, sem ruídos prenunciadores. As armas são destravadas, bem seguras nas mãos cerradas em redor das coronhas. Os olhos cravam-se na lonjura da picada, até à curva, lá ao fundo. Os homens remordem mentalmente os dias que faltam para acabar a comissão de serviço. Ninguém fala. Durante horas, se necessário for. Pressentindo a presença humana, o espreguiçar ruidoso da floresta não anunciará a manhã nesse dia. Acordará pouco a pouco, mas não passará nunca dum murmúrio. No céu, o sol irá percorrer, vagarosamente, mais uma jornada da sua eterna viagem. Debaixo de si, a solidão em magote, encafuada nos pensamentos de cada um.
(continua)
Magalhães Pinto
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