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8.7.08

OS HERÓIS E O MEDO - 316º. fascículo

(continuação)

Coube a Mário conduzir o ferido a Bissau. O “Viseu”. Embora não fosse da sua secção, conhecia-o e gostava dele. Voaram para o hospital da capital, numa maca improvisada, a baloiçar nas traseiras duma Mercedes. De noite, os helicópteros não voam. Chegados, Mário insistiu em acompanhar o rapaz até ele estar a ser tratado. No corredor, enquanto preparavam uma sala de operações para a intervenção necessária, Mário esteve ao lado dele, segurando-lhe na mão. Consciente, “Viseu” gemia baixinho, pedindo ao companheiro para lhe cobrir os pés, gelados dizia ele. Mário sentiu o absurdo da situação. Ou ele estava a ver mal ou o “Viseu” não tinha pés. As pernas do camuflado, rasgadas em tiras, deixavam à mostra os cotos sanguinolentos de dois membros estropiados a que faltavam o pé, num, e a perna e o pé, noutro. Dois cintos de lona limitavam, apertados vigorosamente, o que restava em bom estado. Do membro mais curto, onde ainda se percebiam algumas esquírolas de ossos desfeitos, descaía um pedaço de carne, já meio arroxeado pela vergonha da sua inutilidade. No cimo duma vareta presa à marquesa, jazia pendurado um saco de soro, ligado ao braço esquerdo do “Viseu”, cordão umbilical transparente, pelo qual escorria, gota a gota, o sangue incolor usado na guerra. Dele dependia a conservação da vida do “Viseu”, esvaído de sangue enquanto não tinham sido prestados os primeiros socorros.

(continua)
Magalhães Pinto

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