OS COGUMELOS
Portugal é um país de cogumelos. Sapróbios. Isto é, da espécie que se alimenta de excrementos ou de cadáveres de animais. Tipo coprino cabeludo, também chamado de gota de tinta. E porquê gota de tinta? Porque coloca uma assinatura num papel e ganha – ou dá a ganhar aos cogumelos da família - milhões. Milhões de quê? Bom. Isso deixo à imaginação do meu Leitor. É curiosa a textura destes cogumelos. É fugaz e membranosa. Quer dizer, dúctil, moldável. Aperta-se entre as mãos – por exemplo, num cumprimento – e ele molda-se.
Os cogumelos reproduzem-se, em Portugal, a uma velocidade supersónica. Basta aparecer um deles e logo à sua volta surgem milhares. Dizem que é dos esporos. Eu acho que não. Acho que é dos milhões. Milhões de quê? Bom. Isso deixo à imaginação do meu Leitor. A verdade é que eles estão por toda a parte. De tantos que são. Dizem que eles surgem nos lameiros. É provável. Na lama é que os cogumelos se dão bem. Mas já povoaram todo o país. Há-os nos bancos. Há-os nas empresas públicas. E nas privadas também. Há-os nos palácios governamentais. Há-os nos parlamentos. Há-os nos tribunais. Há-os nas autarquias. Há-os nas repartições. Há-os nos campos de futebol. A praga é tamanha que até já nas igrejas os há. Tantos são que, praticamente todos os dias, temos na comunicação social notícias dos cogumelos. A gente até fica surpreendida. É que andamos por aí e não os vemos. Ou melhor, vemo-los, mas não sabemos que são cogumelos. Quando chegamos a saber que A ou B é cogumelo, já é demasiado tarde. O veneno com que estes cogumelos derrotam o país é demasiado forte e, ao mesmo tempo, subtil. E não se lhe conhece antídoto. Há por aí uns indivíduos que se dizem “apanhadores” de cogumelos. Mas não se fiem. É treta. É mais difícil apanhar um cogumelo do que um tiro. Isto é, a bala. Porque o tiro pode apanhar-se quando se anda na apanha de cogumelos. E mesmo quando é apanhado algum cogumelo venenoso, asqueroso, logo ele se enfeita de coroa encarnada com pontinhos brancos, a parecer mesmo desenhado pela Disney, e a primeira coisa que diz é:
- Eu?!!! Venenoso, eu?!!! Eu sou a pureza em pessoa! Sem ponta de veneno! Não há míscaro que se me chegue! Isso é invenção dos invejosos! Nem se atrevam a chamar-me venenoso, que eu ponho-vos no tribunal!
Estou mesmo a ouvir o Leitor chamar-me exagerado. Mas eu faço uma sugestão a quem me lê. A de aproveitar uma ponte qualquer que haja aí para a frente, fazer uma viagem de fim de semana alargado e ir até à Serra da Estrela. Chegado lá, suba até à Torre. E, de lá, olhe o nosso Portugal. É um mar imenso de cogumelos. Cada vez mais, acho que foi um génio quem um dia disse que “Portugal é um jardim à beira-mar plantado”. É. De cogumelos. Quase todos venenosos. Quase todos sapróbios. Quase todos parasitas, como cumpre a um cogumelo orgulhoso da sua raça. Alimentando-se dos cadáveres que vão deixando espalhados na sociedade. E notem o respeito pelo princípio da conservação da espécie. Com o seu veneno, os cogumelos matam. E, depois, alimentam-se dos cadáveres para se desenvolverem e reproduzirem. É por isso que é necessário, inadiável, urgente, dar combate aos cogumelos. É por isso que não se pode sentir piedade por um cogumelo destruído. Calcado. Espezinhado. É a única maneira de lidar com os cogumelos. Com os pés. Não se pode correr o risco de se ser contaminado pelo veneno dos cogumelos. É mais grave do que apanhar a Gripe A. E não há vacina contra a praga dos cogumelos. Disse esse homem, dos poucos que, em Portugal, sabe pensar, chamado Ernâni Lopes, que “Portugal está a definhar”. Como tem razão! E, eu acrescento, a culpa primeira é dos cogumelos.
Há que derrotar os cogumelos. E, para isso, todos os que ainda não somos cogumelos somos necessários. É que – diz uma sumidade – os cogumelos desenvolvem-se, essencialmente, sobre substâncias em decomposição. E eu recuso-me a acreditar que já estejamos todos em decomposição. Não pode ser. Caramba! Somos dez milhões. E, embora já estejamos a apodrecer há muitos anos, não podemos estar todos já decompostos. Seria uma traição ao Egas Moniz. Ao seu infante Afonso, que ele educou. Ao João de Avis ou ao das Regras, que nos fizeram ressurgir quando já nos julgavam mortos. Ao Gama que nos imortalizou pelos feitos. Ao Luiz que nos cantou a Epopeia. Seria uma traição a muita gente. Seria, sobretudo, uma traição a nós próprios. Seria, ainda mais sobretudo, uma traição aos nossos descendentes.
Já sei o que está a pensar, meu Caro Leitor. “Cá está mais um a palrar, mas fazer alguma coisa para que acabem os cogumelos é que ele não faz…”. Tem razão, meu Caro Leitor. Mas é que a força dos cogumelos é já tanta que eu só não chego. Nem Você. Eu estou só a tentar dar o primeiro passo. Que é convencê-lo de que todos temos que combater os cogumelos. E não chega passarmos procuração a outros. É que esses outros não me parecem muito interessados em combater os cogumelos. Não se recorda do Cravinho? Um dos que tentou ir além das palavras? E que lhe fizeram? Promoveram-no. Promoveram-no a inútil. Ou, pelo menos, a menos útil do que ele estava a ser. Veja só isto, meu Caro Leitor: a procuração que passamos é depositada numa urna. E uma urna é o sítio para onde vão os mortos. Logo, as procurações morrem no momento em que são entregues. Não. Temos que dar passos, nós próprios, para acabar com os cogumelos. E o primeiro passo é este. É o passo a palavra. Temos de criar uma consciência colectiva reprovadora dos cogumelos. Não podemos ser como aquele eleitor que, interrogado sobre porquê havia votado num cogumelo, respondeu: “Ele rouba, mas faz coisas!”. E não podemos porque o que é roubado faz muita falta. Há por aí tanta gente com falta de tanta coisa!
Portugal está muito doente já. O veneno dos cogumelos já infectou tanta da nossa vida! Mas não podemos cruzar os braços. Não podemos encolher os ombros. Não podemos sentar-nos no sofá, olhando a televisão e abanando a cabeça. Muito menos podemos assobiar para o lado. Porque, se a nossa atitude for essa, o veneno dos cogumelos acabará por nos atingir. A mim e a si. Inexoravelmente. Fatalmente. E, com franqueza, meu Caro Leitor: acredita mesmo que há fatalidades, no sentido de que são inalteráveis, faça a gente o que fizer?
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 5/11/2009
4 comentários:
Interessante.
Curiosamente Portugal lidera a lista de Maior produtor de cogumelos da Europa.
A fábrica situação em Vila FLôr, não vou dizer o nome para passar publicidade.
Uma empresa de sucesso um dos maiores EXPORTADORES do nosso País.
Saudações Marítimas
José Modesto
Ai como gostei deste descrição! É genial !! e ao Sr.José Modesto quer dizer: infelizmente Portugal exporta muitos jovens licenciados que não conseguem ganhar pé neste lamaçal, onde quem não é amigo dum "cogumelo", não tem futuro! Felizmente conseguem ter sucesso no estrangeiro, sem cogumelos.
Obrigado pela visita e comentário, José Modesto.
Obrigado pela visita e comentário, José Modesto.
Uma premonição, quem um dia inventou uma frase deliciosa em Português, para exprimir a existência de muitos do mesmo género:
"Parecem cogumelos!" é a frase.
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