E SE?...
E se a participação de Armando Vara, na rede corrupta da sucata, não fosse mais do que favores que os políticos cedem para agradecerem financiamentos que certas pessoas fazem aos Partidos, com toda a gente a presumir que é por ideologia, mas todos sabendo que não é mais do que o pagamento antecipado de “compras” futuras?
E se por acaso, neste caso, o financiamento tivesse sido oriundo, essencialmente, de Manuel Godinho José Godinho, “o sucateiro”, e tivesse sido pago por utilização parcial dos quinze milhões de euros de financiamento por ele obtido no Millennium/BCP, como um suborno do montante de 10.000 euros, ridículo para quem ganha por ano meio milhão, deixa suspeitar?
E se a nomeação de Armando Vara para Vice-Presidente do Millennium/BCP tivesse sido um agradecimento do Poder pelos substanciais financiamentos por ele obtidos para o Partido?
E se viéssemos a saber que esta fantasia era a realidade e que, por isso, o Secretário/Geral do Partido – episodicamente também Primeiro-Ministro – não podia deixar de saber?
E se as silenciosas certidões enviadas por um juiz zeloso, sobre as conversas telefónicas de José Sócrates com Armando Vara, congeladas - por um mês, dois, três ou quatro, tanto faz - na Procuradoria-Geral da República, estivessem no limbo “para não influenciar o resultado das eleições legislativas”, num criterioso seguimento das orientações superiormente assumidas pelo Senhor Presidente da República, a propósito das escutas de Belém, por isso mesmo influenciando-as?
E se as conversas de José Sócrates com Armando Vara não tivessem por objecto sucata, mas antes a estratégia para proteger amigos ou correligionários na área da Comunicação Social, designadamente na sempre presente TVI?
E se essas conversas tivessem mesmo ido mais longe e buscassem encontrar uma solução para os problemas financeiros de um dos maiores patrões da Comunicação Social – Joaquim Oliveira – outro português de sucesso que construiu um império a partir do nada, com uma rapidez impressionante?
E se essa conversa se desse precisamente porque Armando Vara era o Vice-Presidente do banco onde os problemas de Oliveira estavam maioritariamente sedeados, o Millennium/BCP, constituindo, por isso, como que uma procura de autorização para favorecimentos?
E se, afinal, este caso não fosse senão o exemplo do que se passa frequentemente no sector público, quer a nível da Administração Central, quer Autárquica, quer das Empresas Públicas?
E se os gigantescos desvios nas obras públicas – centrais ou autárquicas – fossem também pensados na mesma lógica, para proporcionar ganhos chorudos a quem não tinha que tê-los?
E se viéssemos a saber que um incêndio - que, em Londres, destruiu três quartos da documentação que podia esclarecer o “caso Freeport” - tinha sido fogo posto?
E se, por acréscimo, a crise económica em Portugal continuar e os desempregados chegarem, brevemente a um milhão?
E se tal se der, não obstante um crescente desequilíbrio das finanças públicas, enquanto algumas finanças privadas prosperam a olhos vistos?
E se à contribuição para a Segurança Social, agora criada, sobre as remunerações pagas a recibo verde, não corresponder nenhuma contrapartida para os assalariados, fazendo de tal “contribuição” um puro imposto, correspondendo isso a quebra da promessa de José Sócrates de não haver aumento de impostos?
E se o Presidente da República continuar a perder popularidade, dando lugar ao aparecimento, dentro de um ano, a um novo Presidente da área socialista e tornando a realidade muito mais espessa ainda?
E se viéssemos a concluir que esta história de governar o País não é senão uma representação destinada a que numerosos ganhem uns euros, alguns ganhem milhares, uns poucos ganhem milhões e milhões percam milhares de milhões?
Parece-me estar a adivinhar o que o meu Leitor está a pensar. “Este tipo está louco”. Mas não é loucura, meu Caro Leitor. Não fiz senão um pequeno exercício. Passar ao papel uma série de perguntas que nos assolam o espírito. Perguntas que, porventura, não têm nenhuma aderência à realidade. Mas que não são loucas. São, antes, o resultado do nevoeiro. Do nevoeiro que vai embrulhando, caso após caso, todas as histórias tenebrosas que vêm a público. Um rosário de trapalhadas em que se envolvem as grandes figuras do nosso pequeno mundo. São dúvidas que assaltam o pensamento apenas porque não há esclarecimento. Os esclarecimentos, quando chegam, vêm embrulhadas nas tácticas e nas estratégias de comunicação, o que faz que sejam incompreensíveis ou que não esclareçam tudo. Caramba! Será assim tão difícil chegar aos microfones e dizer: isto é assim e assim. Isto está provado e aquilo não está provado. Falem-me português, caramba!
Tive o grato prazer de ver o Primeiro-Ministro mudar o seu discurso, a propósito deste caso da sucata. Até aqui, dizia que não se pronunciava sobre casos que estivessem em segredo de justiça. Desta vez, felizmente (?), não poupou palavras. Não permitiria a permanência nos seus lugares dos acusados pelo Ministério Público, disse. Ainda bem que já não precisa de que os casos cheguem a julgamento e a sentença transite em julgado. É que, se alguém aparece ligado a um caso destes, esse alguém é pelo menos culpado de uma coisa. De andar em más companhias. E, por isso, a atitude não pode ser outra que não seja apontar-lhes a porta de saída. Recordo-me do modo como Cavaco Silva despediu (injustamente) um dos melhores, senão o melhor, ministros das finanças que tivemos, Miguel Cadilhe, só porque este apareceu na Comunicação Social por fazer, afinal, coisas a que tinha direito ou que eram legais e legítimas. Mas isso foi num tempo em que acreditávamos em quem nos governava e, por isso, não nos assaltavam o espírito perguntas como as que deixei acima.
E agora? Perceberão, aqueles que comandam tudo isto, o mal que estão fazendo à nossa sociedade? Entenderão o modo como estão a desgastar algo precioso e extremamente necessário, se quisermos ultrapassar as nossas dificuldades, a coesão social e a confiança em quem nos dirige? É que podemos não gostar de quem nos dirige. Mas é impossível viver e cooperar se, pelo menos, neles não confiarmos. E só podemos confiar se as explicações do que surja nos forem apresentadas com imensa clareza. Não pode haver lugar para o diz e desdiz enevoado. Ou, melhor, quando se desdisser algo dito tal tem que ser feito sem deixar margem para dúvidas, com a limpidez da verdade. O mal, presentemente, não está em falar demais, está em falar de menos. Como muito bem parece ter entendido José Sócrates ao decidir falar sobre um caso que ainda está – está?! – em segredo de justiça.
Creio que, se os responsáveis não entenderem isto, Portugal se irá afundando cada vez mais no lodaçal da desconfiança geral, do descrédito internacional, da falência como Pátria. Será um local mal frequentado aonde se evita ir.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 12/11/2009
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