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4.2.10

CRÓNICA DA SEMANA - II

A QUADRATURA DO CÍRCULO

Não importa por onde começa, meu Caro Leitor. Seja por onde for, não conseguirá libertar-se do círculo. É uma das suas características. Não tem princípio nem fim. É por isso que são só histórias que estão a contar-lhe. Não que seja com má intenção. Mas é um pouco como nas famílias arruinadas. Quanto mais perto se está da falência mais optimismo procura mostrar-se. Numa tentativa de adiar o irremediável. O corte do crédito que conduz à indigência. E, para ser honesto comigo mesmo, eu também devia mostrar optimismo naquilo que lhe digo. Costumam dizer que, com pessimismo não vamos a lado nenhum. E é verdade. E eu devia mentir e mostrar-me optimista. Mas com optimismo injustificado é-se levado a um sítio ainda pior. E, além disso, se eu mentisse, se eu mostrasse o optimismo que não sinto, estaria a ser desonesto consigo, meu Leitor, por mais honesto que me quisesse crer. Além de que penso que a palavra mais urgente a dizer aos Portugueses é mais ou menos esta:

- Amigos, gozámos enquanto foi possível, mas chegou o tempo dos sacrifícios; sem sacrifícios para todos, acabará por não haver nada para ninguém…

E chegou. Temos que conseguir um impossível, quadrar o círculo. Senão repare, meu Caro Leitor:

- Não há modo, a médio prazo, de fazer crescer o PIB (Produto Interno Bruto, isto é, o que produzimos dentro de portas nacionais durante um ano) a taxas que escapem à barreira dos 1 a 2% ao ano; mesmo que sejamos optimistas e pensemos que as reformas (?) que vimos encetando aumentarão a nossa produtividade; e, para esse optimismo, ainda teríamos de esquecer que vivemos num país onde a tabuada é impressa nos livros de matemática do quinto ano, porque se tem por seguro que, então, os alunos ainda não a sabem de cor;

- Pela razão anterior, não temos maneira de ver reduzida a taxa de desemprego; teríamos de crescer a taxas de 5 e 6%, pelo menos, para aliviarmos, em três ou quatro anos, a carga de desempregados involuntariamente montados nas costas dos que trabalham;

- Acresce que o aumento de produtividade (e, com ela, a competitividade que permitiria o escoamento do aumento) exigiria que menos pessoas trabalhassem para produzir o mesmo;

- O que é ainda mais verdade para o sector público administrativo, onde deveríamos dispensar, a curto prazo, para aí uns 100.000 trabalhadores;

- Para ajudar o pai que é velho, também nós somos cada vez mais velhos, o que faz aumentar, impiedosamente, a carga social relativa aos idosos, seja nas reformas seja na saúde;

- Donde, surgem o celebrado défice público e correlativa dívida pública, a conduzir paulatinamente o Estado para a falência;

- Os quais, défice e dívida, impedem o Estado de dar a mãozinha de impulso na economia, muito à moda de Keynes;

- E o Estado somos nós!

Não quis complicar muito o raciocínio e não introduzi nele outros factores agravantes. Não quis, por exemplo, e só para usar um exemplo, colocar em evidência este sinal iniludível: andámos anos a fio a promover cursos para chamar a todos “licenciados” e, agora, os licenciados pedem salário correspondente. Vidé – só como exemplo, repito – os enfermeiros. Bom. Não é preciso mais. Apenas com os factores indicados já se matou qualquer optimismo. Parece impossível fugir do círculo.

Mas, com os países acontece algo que não acontece com as pessoas e com as empresas. Os países não fecham as portas. Se quem deve não toma as decisões que deve, a realidade encarregar-se-á de as forçar aí para a frente. As forças da realidade acabarão por impor-se. E, por maior que seja a resistência do compasso, ela forçará a quadratura do círculo. Traçará em linha recta. E por mais que doa, a redondinha linha do círculo quebrar-se-á, até termos um quadrado.

Para já, os poderes estão a forçar o sustento dos auto-insustentáveis com o produto dos outros. Algo que se aceita socialmente. Mas que começa a doer. Para já, contêm-se os desvalidos, para evitar a explosão. Mas não tardará a dar-se a explosão noutro ponto. O rastilho está aceso e só podemos evitá-la se molharmos a pólvora, Neste caso com as lágrimas do sofrimento consentido. E há umas quantas medidas que deviam já vir a caminho. Cito algumas, com as reservas que me merecem:

- Vai ser necessário reduzir o valor das prestações sociais; o subsídio de doença e desemprego vão ter que ser menores, ainda que alargados no tempo; manter uma situação em que, para muitos, é preferível estar desempregado que empregado, é soprar no rastilho;

- Vai ser necessário reduzir a mão-de-obra da máquina administrativa do país; a começar pelo pessoal político; mas chegando a todos os níveis qualitativos; não há jeito de reduzir a dívida pública e ter ainda algo para investir, sem mexer aí;

- Vai ser necessário alargar a idade de aposentação; a Espanha, mesmo aqui ao lado, já o fez; algo que vem no sentido da realidade e da utilidade, a de sermos produtivos cada vez mais até mais tarde; só se pede que, quando fizermos isso, saibamos ver que nem todas as profissões são iguais; isto é, a idade da reforma não pode ser a mesma para um mineiro ou para um porteiro;

- Vai ser necessário reduzir os custos com a Saúde, tanto preventiva como curativa; isso significará uma redução na nossa qualidade de vida, mas não vejo que sacrifícios se podem fazer sem reduzir a qualidade de vida;

- Vai ser necessário abandonar os projectos de investimento megalómanos; não faz sentido investir num futuro que, por este caminho, nunca chegará;

- E vai ser necessário aplicar os fundos assim disponíveis - se é que, mesmo assim, ainda haverá alguns – nos sectores que verdadeiramente podem contribuir para darmos um salto; por exemplo e para só citar um, na Justiça.

Podem chamar-me louco; mas acho que vai ser preciso mexer nos impostos, aumentando-os; porventura, não nos tradicionais; mas criando novos impostos; só para, mais uma vez, dar um exemplo, porque não criar um imposto sobre as férias passadas no estrangeiro ou elevar vertiginosamente os impostos sobre os produtos e serviços de luxo?

Com mais ou menos sal, vamos chegar a isso e, talvez, a muito mais. Ai de nós, se não chegarmos. Não é sem razão que a quadratura do círculo sempre foi considerada, através da história e da ciência, impossível. Porque é necessária uma força inumana para o conseguir. Inumana e, neste caso, desumana. Aqueles que não acreditaram nos que diziam que a factura dos nossos desvarios haveria de chegar e, inclusivamente, os cobriram depreciativamente com o epíteto de “velhos do Restelo”, sabem agora quanta razão havia na previsão. Podem, agora, atirar as culpas à “crise internacional”. Dá no mesmo. Embora seja meu convencimento que a dita “crise internacional” tenha apenas acelerado os acontecimentos e servido de boa desculpa para quem não se soube – ou não quis - governar no tempo da abundância.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 4/2/2010

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