PEDIDO DE CLEMÊNCIA
Senhor Primeiro-Ministro. Ilustre Engenheiro. Mentor – isto nada tem a ver com mentira! – de hordas de fiéis seguidores. Inspirador das mais iluminadas teorias explicativas dos factos mais incompreensíveis. Senhor Primeiro-Ministro. Único de uma geração, o maior entre os próceres do meu País. A ponto de, na minha mais rastejante humildade, eu me sentir um atrevido sem nome por me dirigir a Sua Excelência. Algo que apenas ousei por me sentir aterrado com as consequências do meu, por vezes leviano, uso da palavra. É verdade, Senhor Primeiro-Ministro. Peço-lhe que me acredite. Para usar uma expressão bem ao gosto do seu (e, se me permite, também meu) Povo, eu estou borrado de medo. A tremer. Uma vara verde, ao meu lado, é um inamovível obelisco. Horas terríveis, estas, para a minha existência, Senhor Primeiro-Ministro. Horas terríveis que eu mereço, mas que espero sejam levadas em conta no castigo que, seguramente, me aguarda. É na magnanimidade de Sua Excelência que eu realmente confio e tenho esperança. Porque o castigo que mereço, eu sei. É para a excelsa compreensão de Sua Excelência que eu apelo. Se eu tivesse os cabelos brancos que Sua Excelência já leva consigo, talvez não merecesse perdão. Mas, por heresia da natureza, eu não tenho cabelos brancos (apesar de poder ter sido seu pai, por mais que viesse a arrepender-me disso depois). Assim, Sua Excelência pode sempre pensar na minha juventude como atenuante.
Tudo começou quando surgiram notícias do envolvimento de Sua Excelência numa obscura licenciatura. Alguém se dedicou a espreitar pelo buraco da fechadura da universidade que teve a honra de acolher Sua Excelência, esfregou a sua (dele e má) língua nos papéis e, depois, usou essa língua na praça pública. E eu acreditei nela. E falei dela. Porventura ainda influenciado pelos cânticos de Abril, juntei a minha língua à dos outros. Eles culpados de serem espreitas; e eu, de pornógrafo. Sim, porque falar mal de Sua Excelência a tal propósito – reconheço-o hoje – é autêntica pornografia. Porque nem é preciso nenhum diploma. A gente nota à distância que Sua Excelência é um mestre de engenharia. Depois, Senhor Primeiro-Ministro, tentaram envolvê-lo nas manigâncias de um shopping. Perdão, de um centro comercial. Não quero ofender o seu amor pátrio usando um estrangeirismo. E eu voltei a usar a minha pena de pavão para sujar Sua Excelência. Imagine. Eu, que nem sequer sou digno de usar uma pena de ornitorrinco. Isto, se é que os ornitorrincos têm penas. Se calhar, não, porque os seus genes coincidem, em grande medida, com as ratazanas e com os homens. Bom. Não quero fugir ao que aqui me traz. Depois envolveram Sua Excelência em mais milhentos fenómenos negativos. E eu, zás. Fui atrás.
Mas eu sei que o facto de ir atrás não me desculpa, Senhor Primeiro-Ministro. Porque eu devia estar mais atento às Suas excelsas qualidades. Únicas numa geração. Exclusivas dos grandes homens, daqueles capazes de acrescentar páginas e páginas a uma História velhinha de séculos. Como fizeram, por exemplo, o Buíça - que acabou com a Monarquia - e o Otelo - que nos enviou para o paraíso no qual vivemos agora. Bom. O Otelo, nem tanto. Porque ele nem bem sabia para onde estava a enviar-nos, andando sempre indeciso entre o Campo Pequeno e o Tarrafal. E, se hoje vivemos num paraíso não o devemos a ele. Devemos a Sua Excelência, graças a Deus. Mas perdoará, Sua Excelência. Tinham de vir a lume os últimos acontecimentos e tinha eu de ouvir as Suas explicações para bem entender a importância das coisas. E deixar de me deixar ir nas atoardas que, a propósito de Sua Excelência, surgem periodicamente nos jornais. Graças à Sua esclarecedora e inteligente postura, eu hoje sei que não são importantes, que não valem uma caganita de rato, que são pura calhandrice, factos como:
- Que, a seu mando ou sem ser a seu mando, correligionários seus tenham conspirado para dar um golpe mortal na Democracia;
- Que tenha sido ofendido, na forma tentada e parcialmente conseguida, um dos principais direitos constitucionais dos Portugueses, o direito à liberdade de informação;
- Que correligionários seus tenham envolvido directamente o Seu nome num verdadeiro crime, na forma tentada e parcialmente conseguida;
- Que esses conspiradores tenham, voluntaria e assumidamente, tentado envolver nas suas manigâncias a família do Senhor Presidente da República, naquilo que eles próprios classificaram como “patifaria”;
- Que os Portugueses estejam espantados e assustados com este comportamento de verdadeiros marginais por parte de pessoas com responsabilidades elevadas nos destinos do país.
E hoje sei – acredite, Senhor Primeiro Ministro que hoje sei – que verdadeiramente importante é o carácter de Sua Excelência. Perdão. Deixe-me corrigir, por magnanimidade Sua mais uma vez. O excelso carácter que o orna. Um exemplo a ser seguido. A pureza de uma donzela que uns tantos malcriados que por aí andam perturbam, espreitando pelo buraco da fechadura enquanto ela se despe. Assim é o Seu carácter. Um carácter cuja maior virtude até talvez seja a de ficar encrespado quando não vão à Sua missa. Cega, não entende a populaça, por vezes, que quem não se sente não é filho da mãe ou lá como é o ditado.
O facto de saber tudo isso, Senhor Primeiro Ministro, o facto de eu ser hoje um homem iluminado pela fé em Sua Excelência, devia chegar para me tranquilizar. Mas devo confessar que, cada vez mais, estou menos tranquilo. Especialmente depois de, na noite passada, ter passado, enquanto dormia, por um pesadelo de enormes proporções. Imagine que sonhei que, a meio da noite, me entravam pela casa dentro, de roldão, uns polícias de ar assanhado, e me apanhavam, sentado na sanita com as míseras calças do pijama, já meio puídas do uso, em baixo. À pressa, eu tentei ficar com as calças na mão e subi-las. Mas a rapidez com que me colocaram algemas não o deixou. E, nesse momento atroz, dois pavores tomaram conta de mim. O primeiro, que me fossem lançar para alguma cela escondida num subterrâneo esquecido. E o segundo, que alguém estivesse a espreitar pela fechadura, vendo-me naquela situação indigna e despudorada.
Mais do que tudo, foi o pesadelo que me decidiu. Eu tinha que fazer alguma coisa. E é o que estou a fazer, Senhor Primeiro-Ministro. Qual Egas Moniz da plebe, aqui estou eu, de baraço no pescoço e embaraço na alma, ajoelhado a Seus venerandos pés, pedindo clemência. Perdão. Perdão, Senhor Primeiro-Ministro, que eu prometo firmemente emendar-me e nunca mais tornar a ofendê-lo. Mais. Vou dedicar todo o meu tempo disponível, daqui em diante, para substituir, na minha casa, todas as fechaduras tradicionais por fechaduras tipo Yale. Assim, pelo menos em minha casa, ninguém voltará a usar fechaduras para tentar prejudicar Sua Excelência.
E que Deus o conserve, Senhor Primeiro Ministro.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 11/2/2010
2 comentários:
ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE MATOSINHOS
11 FEVEREIRO 2010.
CULTURA-PATRIMÓNIO e ATROPELO...
ANTÓNIO NOBRE:
Na praia lá da Boa Nova, um dia,
Edifiquei ( foi esse o grande mal)
Alto castelo, o que é a fantasia,
Todo de lápis-lazúli e coral!
1º - Numa época em que as alterações climáticas são permanentemente constantes...a subida dos oceanos é inevitavel.
2º - Numa altura em que a prioridade das autarquias servidas pela nossa orla marítima, apontam para a sua preservação e não construção.
3º - Sabendo que o nosso MONUMENTO NACIONAL "O SALÃO DE CHÁ DA BOA NOVA" se encontra a norte da pequena praia ali existente.
A nossa autarquia (todos) aprova a construção de um bar DENTRO da PEQUENA PRAIA... DENTRO DO PEQUENO AREAL ALI EXISTENTE, limitando assim os nossos banhistas que ali encontravam a sua pequena área de lazer.
Curiosamente a norte do Farol da Boa Nova uma extensa área de terreno completamente livre para se fazer essa construção.
Uma chama de atenção a volumetria do mesmo bar.
Saudações Marítimas
José Modesto
A minha avó materna, que tanto marcou a minha infância, teria acrescentado: "E que Deus o conserve Senhor Primeiro-ministro" e o leve para onde não faça prejuízo.
Era sempre o que dizia quando havia trovoada e isto é uma borrasca das grandes...
beijo
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