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18.3.10

CRÓNICA DA SEMANA

ÉTICA ÉPICA

A Ética é o conjunto de normas de conduta, adoptadas por uma sociedade, que permitem o fluir sério, honesto, credível, dos acontecimentos sociais. Quando os comportamentos individuais, numa sociedade, são pautados pela Ética, isto é, obedecem às regras de comportamento existentes nessa sociedade, ninguém pode dizer ter sido enganado. Cada um sabe com o que conta do seu interlocutor ou inter-agente. E o resultado dos comportamentos individuais define uma sociedade sã, confiante, honesta, correcta. E, naturalmente, a Paz tem condições excelentes para existir dentro da dita sociedade. Sem Ética, as sociedades tendem a tornar-se anárquicas, conflituosas, trapalhonas, sem futuro. Ninguém confia em ninguém e as relações sociais, de difíceis, caminham para impossíveis.

Os conflitos – demasiado frequentes – que vivemos nas sociedades actuais e, designadamente, na portuguesa, têm a sua origem na prática inexistência de Ética nas nossas relações. E facilmente nos apercebemos de que a situação tende a piorar. Os pais demitiram-se de impor regras sociais aos filhos, as escolas seguiram-se-lhes e podemos afirmar que, praticamente, apenas as diversas igrejas, sobretudo as de inspiração cristã, ainda se batem pela existência de Ética no comportamento das sociedades. Uma situação cada vez mais frágil, na medida em que o afastamento das igrejas, por parte dos cidadãos, é cada vez maior. Há menos tempo do que uma geração, era obrigação inalienável “educar” os descendentes, ensinar-lhes os comportamentos cívicos adequados, sujeitá-los ao conjunto de obrigações que todos temos uns para com os outros. A demissão geral, individual e colectiva, é hoje - tão pouco tempo depois! – a tónica social. Porventura em nome de uma liberdade que, a ser assim e com os resultados cada vez mais catastroficamente notórios, não é senão um instrumento de dissolução das sociedades. Einstein disse, depois da bomba de Hiroshima, não saber com que armas se desenrolaria a Terceira Guerra Mundial, mas que a Quarta seria certamente disputada com paus e com pedras. Acho que não estamos já muito longe dessa situação.

Todos os dias somos confrontados com situação que desafiam os resquícios de sentimentos de Justiça que ainda vivem em nós. A Ética é espezinhada sem dó nem piedade. É quase épico o combate que temos de travar para acreditar que ainda vale a pena respeitar a Ética e adoptar comportamentos dignos, onde a trapaça seja ausente. Vejam-se alguns exemplos recentes.

CASO UM:

Pensa-se reduzir o número de funcionários públicos. O que é uma necessidade. Mas nem sequer se sopra ao ouvido a eventualidade de uma redução dos quadros políticos, funcionários públicos também. Como, de igual modo, se pensa alargar a idade de reforma de tais funcionários, mas nem sequer se aventa tocar na escandaleira das reformas dos deputados da Nação. Se houvesse a possibilidade de concorrer a deputado sem se estar subordinado a um partido político, talvez se pudesse encontrar remédio para isto. Mas quem fez a “liberdade” de que desfrutamos sabia o que estava a fazer. Fechou todas as portas a tal eventualidade. As clientelas partidárias precisam de “tachos”, portanto é melhor não os reduzir, aos tachos.

CASO DOIS:

A situação do país exige cortes nas prestações sociais e benefícios fiscais na área da Saúde e da Educação. Evidentemente que sim. Mas a Ética leva tratos de polé quando sabemos – vide minha crónica da semana passada – que os deputados têm direito a uma Segurança Social privada do Parlamento, para além da que gozem em termos gerais, e nem sequer lhe tocam.

CASO TRÊS:

Quer na política quer no futebol, conhecemos casos em que as escutas telefónicas não deixam dúvidas de haverem sido cometidos crimes. Mas os seus autores escaparam impunes, sob o peregrino argumento de que as escutas telefónicas não eram válidas como prova. É como se, sendo proibida a espionagem da vida privada dos outros, o assassínio de alguém pudesse passar impune devido ao testemunho ter sido obtido no cometimento de outro crime. Manda o sentido de Justiça mais comezinho que se devam punir os dois crimes, um por espiar e outro por matar. Recordem-se do filme Janela Indiscreta, de Hitchcock. Mas a justiça de facto que pretende proteger-nos pune o espião e deixa o espiado impune. Os dois por igual criminosos.

CASO QUATRO:

A situação dos pequenos accionistas do Millennium/BCP apanhados na vertigem do aumento de capital de 2001 é, em muitos casos, desesperada. E o banco não está isento de culpas. O modo como propôs a aquisição de acções, a um preço elevado e com financiamento do banco para a operação, enganou muitos dos subscritores. Caídas as cotações, a dívida ficou elevada e o património dela resultante reduzido. Assim entendeu a CMVM e, por isso, aplicou uma multa exemplar ao Banco. O qual recorreu ao tribunal. E este anulou a multa, sob o argumento de que estava prescrita qualquer infracção cometida pelo Banco. O que pode ser verdade face à Lei escrita. Mas que é terrivelmente injusto face à Justiça que temos impressa no nosso coração. É que as dívidas dos pequenos subscritores ao Banco estão longe de estar prescritas. Nem prescreverão sequer. Até a Lei ofende a Ética, irremediavelmente!

CASO CINCO:

Nas escutas do processo “Face Oculta”, foram apanhados diversos indivíduos. Em termos que poucas dúvidas deixam sobre o cometimento de crimes. Tratava-se de administradores de empresas públicas, todos muito próximos do Poder vigente. Viram-se obrigados a renunciar aos seus cargos. O que não impediu as empresas que administravam de os recompensar chorudamente. Penedos e Soares estão no rol. Causa alguma perplexidade. Mandaria o sentido mínimo de Ética que, pelo menos, se esperasse pelo resultado das investigações em curso. É que, a provar-se o que se suspeita, esses senhores merecerão tudo menos gratificações. Assim, ficam já do lado de lá. Não deixa de haver ironia no segundo dos citados. O seu nome completo é Rui Pedro Oliveira BARROSO SOARES. No mínimo, pode dizer-se que tem um nome de família predestinado. Outra família Barroso e Soares já se apropriaram de centenas de milhares de euros dos nossos impostos para a fundação familiar. E acrescente-se que houve convívio íntimo no Parlamento Europeu, em 1999/2000, entre o Barroso Soares e o Soares. A aprendizagem parece ter sido perfeita.

CASO SEIS:

A Câmara Municipal de Arouca ofereceu gratuitamente, aos beneficiários do rendimento mínimo, factores de produção para os incentivar a trabalhar. Nenhum dos abrangidos pela prestação social recorreu ao programa. Viver do trabalho dos outros é muito mais cómodo do que ter que trabalhar para viver. O nome para os beneficiários é simples: parasitas. E um governo que deixa, mais, que incentiva que os parasitas subsistam é um nojo. Gosta de viver no meio da porcaria. E aqueles que trabalham podem bem perguntar-se se não será melhor passar para o outro lado da barreira. Se a Ética é um conjunto de regras socais e se as regras incitam a que se seja parasita, então passemos todos a ser éticos.

Se não quisermos travar o combate da Ética, só nos resta recolher a consciência a penates e aguardar serenamente a morte.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 18/3/2010

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