RECIBOS VERDES
Por dever de ofício, cumpre-me supervisionar uma página na Internet, na qual existe uma secção cujo objectivo é auxiliar no esclarecimento de dúvidas sobre temas fiscais. Com largo êxito, a página recebe, nos dias úteis, a visita de uma média diária de quinhentos visitantes. Muitos dos quais deixam as suas interrogações. As quais são respondidas logo que é possível. É um serviço absolutamente gratuito e, além disso, com a comodidade de evitar a deslocação a uma repartição pública, na qual se gastam eternidades. Da análise que faço do que por ali vai ficando, em quantidade e qualidade, algumas ideias começam a tomar corpo no meu espírito. E é disso que quero falar hoje.
A primeira ideia é a de que, de um modo geral, há muitos contribuintes que pretendem cumprir as suas obrigações fiscais e, em muitas situações, nem sequer sabem como. Esta é uma tendência que se verifica essencialmente nas pessoas mais jovens que visitam aquela página. Chega a ser perturbador verificar a quantidade e o tipo de dúvidas que assaltam os jovens no domínio fiscal. Com uma agravante. Grande parte das dúvidas colocadas têm a ver com o modo de satisfazer as obrigações fiscais nos casos em que o rendimento obtido é atestado pela emissão dos celebrados "recibos verdes". Compreende-se porque assim é. Se um jovem se emprega regularmente, isto é, com contrato sem termo e incluído nas folhas de pagamento de salários da entidade a quem presta serviços, essa mesma entidade encarrega-se de ensinar, senão mesmo de substituir nas diligências formais, o contribuinte. Mas se a prestação de serviços é feita com contrato a prazo, sem vínculos laborais estáveis - e, às vezes, até nestes casos - a entidade pagadora do rendimento está-se um pouco nas tintas sobre se o emissor do "recibo verde" cumpre ou não as suas obrigações. Este problema anda quase sempre relacionado com o conceito de "acto isolado". Ele próprio muito mal definido na legislação fiscal. Se tomarmos esta à letra, remuneração por acto isolado é algo que só se pode verificar uma vez na vida, quando o natural é que o conceito pudesse ser aplicado uma vez por ano fiscal.
Para além do desconhecimento e da confusão, a legislação coloca o contribuinte em muitos maus lençóis fiscais se, porventura e como é muito o caso, especialmente para jovens, estes não têm trabalho certo, embora encontrem com alguma frequência modo de angariar alguns rendimentos. A situação exige, neste caso, que o jovem se colecte em profissão liberal e passe "recibos verdes" pelos rendimentos que aufere. Depois, usá-los-á conforme as necessidades. Mas acontece que o fisco fixou mínimos de rendimento para quem passa "recibos verdes". E, nalguns casos, chega a ser quase tão grande o imposto mínimo a pagar como o rendimento auferido. É ver na página citada as reclamações.
Muito frequente, também, é o desconhecimento dos jovens de que, ao colectarem-se como profissionais liberais, com rendimentos justificados pela emissão de "recibos verdes", devem também proceder à sua inscrição na Segurança Social. E é extremamente frequente dirigirem-se à repartição de finanças, para saberem das obrigações que devem preencher, e serem ali apenas informados das obrigações relativas aos impostos, sem qualquer referência às obrigações para a Segurança Social. Tranquilos, vão à sua vida. E ficam em infracção parafiscal.
Tudo o que venho descrevendo - e muito mais que aqui não coloco - mostra que devia haver um lugar qualquer onde os jovens pudessem ser, não apenas informados, mas também guiados e ajudados a preencher as suas obrigações fiscais. Temos um sistema fiscal tão complexo que é quase necessário ter um curso de direito fiscal para bem cumprir as obrigações fiscais. Naturalmente, a exigência maior deve ser colocada na reforma do sistema fiscal, para um outro mais simples, mais transparente, de obrigações fiscais menos burocráticas e complexas. Mas, enquanto isso não acontece, que exista, pelo menos, um modo de ajudar os cidadãos, especialmente os mais jovens, os que chegam à situação de contribuintes de facto, a cumprirem as suas obrigações. Repito, para que entre bem na cabeça dos responsáveis: há muitos jovens a querer cumprir as suas obrigações fiscais e a não saberem como. E a não terem quem os ajude a cumpri-las. E a ficarem desesperados quando vêem que, apesar do seu esforço, se encontram em incumprimento. E a guardarem, dessa experiência, a noção de que vale mais tentar enganar o Estado do que perder meia vida neste emaranhado, do qual se não libertam facilmente.
É verdade que há um esforço muito razoável, de variadíssimas instituições privadas, para ajudar os cidadãos. Mas a informação que elaboram, até pelo meio de difusão utilizado, está sobretudo ao alcance dos especialistas. É extremamente meritório, mas destina-se, sobretudo, a profissionais. É uma informação essencialmente técnica. Mas de reduzida acessibilidade para o cidadão comum. Sobretudo para o jovem.
Procuro estimar quanto tempo perderão os funcionários na prestação de esclarecimentos aos contribuintes. São seguramente muitos funcionários e muitas horas gastas. Como podemos apreciar, nem sempre, porventura muitas vezes, sem proveito total para o contribuinte. O qual, ademais, tem que ter a disponibilidade para deslocações e para perder muito tempo na obtenção das informações necessárias. O que me leva a fazer um apelo à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Num tempo em que podemos, em cinco minutos, saber que tempo faz no Japão, qual o resultado de uma partida de futebol no Azerbaijão, qual o preço de uma viagem com partida na Indonésia e chegada às Seychelles, qual é o programa do dia no Moulin Rouge em Paris e o que é que o Bin Laden disse na última vez que falou - tudo isso em cinco minutos! - não é justo que se gaste uma vida para saber como e quais e quando, em Portugal, um cidadão deve pagar os seus impostos. A existência de um serviço central de informações ao contribuinte, com questões colocadas e respondidas via Internet, seria não apenas um serviço muito barato, como seguro, como rápido. Libertando, além do mais, muitos funcionários para fazerem aquilo que verdadeiramente importa: cobrar os impostos.
Vou ficar à espera do que faz o Fisco neste domínio. Da resposta que der, ficaremos a saber se está verdadeiramnete interessado em dispor de contribuintes cumpridores ou não. A disponibilidade, no futuro, de cidadãos possuidores de verdadeira consciência cívica tributária também depende disto, da ajuda que recebem, quando se iniciam, para cumprir as suas obrigações. Temos o estrito dever de disponibilizar, de modo escorreito, fácil, simples, acessível, toda a informação de que o contribuinte necessita. É verdade que do desconhecimento da Lei ninguém pode aproveitar. Mas não é menos verdade que esse preceito, por muito útil que seja, está imbuído de um nível de injustiça atroz. Sobretudo se, quando o desconhecedor procura informar-se e não consegue encontrar quem o ajuda. Doem-me ainda nos olhos as palavras de um jovem no já referido forum cibernético: "porque é que, quando fui às Finanças, não me disseram tudo o que eu tinha que fazer?". É claro que disseram. No estrito domínio de que Finanças trata. Mas as obrigações não se ficam por aí. E a isso, ninguém era obrigado a chegar. Todavia, o que é pior, ninguém esteve disponível para chegar.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 24/11/2004
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