OS SOFISMAS
Os nossos políticos são culpados de muita coisa. Nem vale a pena enunciar, de tão faladas que estão as culpas. E de algo eles não são culpados: do povo que têm. Mas já são culpados quando procuram explorar a impreparação de uma parte desse povo e do seu desconhecimento das coisas técnicas, mesmo da sua ileteracia. Se a política é sofismar, é dizer coisas que os políticos sabem que, tal como as dizem, não são verdadeiras, então o melhor é acabar com a política. A política não pode ser apenas um jogo de palavras, em que tende a sair vencedor não o mais preparado mas sim o mais bem-falante. A verdade não pode ser escamoteada. Os factos não podem ser ditos de tal jeito que o entendimento que deles faz o português médio é falso.
Vem isto a propósito dos numerosos sofismas que estão presentes na vida política portuguesa desde há três meses para cá. Dos quais retive aqueles sobre os quais a seguir me pronuncio.
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I – A ESTABILIDADE POLÍTICA
Foi apresentada em termos que se aparentam com a chantagem. A estabilidade política não é um valor absoluto em Democracia. Se o fosse, então nunca haveria governos derrubados, por maiores que fossem as atrocidades governativas que praticassem. E, sendo isto verdade para qualquer momento, foi particularmente verdade no momento que atravessámos. Há três meses atrás, o país estava a afundar-se em problemas financeiros sem solução. A prova estava nos juros exponencialmente crescentes que tínhamos de pagar, para conseguir que nos emprestassem dinheiro, e no anúncio todos os dias feito de que estávamos na margem da bancarrota, como agora se sabe mais perfeitamente do que naquela altura. E tal havia acontecido com um Governo que nos dizia, também todos os dias, que tudo ia pelo melhor. A estabilidade política, nesses termos, era uma barca feita de madeira apodrecida, preparada para naufragar ao primeiro embate. Acabar com ela, provocar a instabilidade que nos trouxe até estas eleições, foi um gesto de caridade para com Portugal.
II – O PEC IV
Sabemos hoje, pelas medidas que nos foram impostas, que o famigerado PEC IV, arma utilizada por um indivíduo sem escrúpulos que, ao anunciá-lo, estava apenas a pensar nas eleições que ia provocar, desde que do outro lado, na Oposição, houvesse gente responsável e capaz de ver que estávamos a ser conduzidos para o abismo. Se o PEC IV fosse a nossa salvação, então quase nada se tinha passado desde então até ao acordo com o FMI e as medidas que nos foram impostas não deveriam afastar-se muito do conteúdo daquele programa. É verdade que, da Europa, vinham vozes a dizer que seria bom que Portugal aprovasse aquele Programa. Mas também sabemos, porque não somos cegos de inteligência, que a Europa estava apenas empenhada em estabilizar o Euro, nada mais.
O PEC IV foi apenas uma arma de quem não poderia continuar a governar o país nos mesmos moldes sem o afundar e que concebeu uma estratégia (Brilhante? Negra!) para fazer crer que a culpa era dos outros, convencido de que, em política, o que parece é. Mas olhe que não! Nem sempre nem todos acreditam!
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III – O DINHEIRO EMPRESTADO PELO FMI E CEE AOS BANCOS
É um dos sofismas mais absurdos. Dito mais ou menos desta maneira: “dos 78 mil milhões, muitos mil milhões são entregues à banca, mas quem vai ter de os pagar sois vós”. Não é só uma asneira, isto. É uma violação da inteligência e um aproveitamento do desconhecimento dos mais humildes. Claro que quem vai pagar o dinheiro emprestado à banca é a banca. Não teremos nós, os cidadãos, que o fazer. A não ser que os bancos vão à falência. E se tal acontecesse, era o país todo que estaria todo falido. O empréstimo aos bancos destina-se, precisamente, a reduzir a possibilidade de tal falência acontecer.
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IV - O ESTADO SOCIAL
A Esquerda Portuguesa tem utilizado praticamente apenas um argumento contra a Direita. O de que esta pretende acabar com o Estado Social. O que é, obviamente, um sofisma. A Direita está apenas a exprimir a consequência de um facto: o Estado, isto é, todos nós, não podemos arcar com o sustento de todas os benefícios sociais, sem sacrifícios incomportáveis nos impostos. A dimensão da Saúde tendenciamente gratuita para todos, do Ensino tendenciamente gratuito para todos, dos subsídios a quem não trabalha superiores ao que ganharia esse quem se trabalhasse, dos rendimentos mínimos, das pensóes atribuídas aos 55 anos, do emprego improdutivo de milhares de funcionários públicos, a que se junta uma administração local e central que não cuida bem do património do Estado, tanto o imobiliário como o mobiliário, não são comportáveis pelo nível de impostos aceitável para o rendimento que tiramos do nosso trabalho. Esta é que é a verdade. E não adianta argumentar sobre isto. Os de fora não nos sustentam e temos de produzir para o nosso consumo ou, visto ao invés, só podemos consumir o que produzimos. Seja quem seja o Partido governante. Não há por onde sair: ou impostos a achegarem-se ao confisco e a provocar uma revolução dos cidadãos ou redução do Estado Social.
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V – AS LEIS DO EMPREGO
A liberalização acentuada do mercado de trabalho é uma das medidas que nos são impostas. E o clamor, vindo da Esquerda é enorme. “Temos de defender, com unhas e dentes, as leis do trabalho, porque, senão, será uma hecatombe de empregos!”. Um sofisma acabado. Desde logo, pela confusão propositadamente feita entre “trabalho” e “emprego”. Não tem nada que ver uma coisa com a outra, nos termos em que o dizem. Quando muito, haverá mais empregos se houver mais trabalho. Mas o que arruina é haver empregos sem trabalho. Se quiséssemos uma prova, ela está aí, dramaticamente, à frente dos nossos olhos. As leis do trabalho que temos não conseguiram evitar que tenhamos mais de 700.000 desempregados, o maior número da nossa história. Forçar o emprego de alguém quando não há trabalho é a ruína que afecta, para além dos excedentários, os próprios trabalhadores necessários ao trabalho disponível.
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AS SONDAGENS
As sondagens a que assistimos, quando nos aproximamos de umas eleições, destinam-se apenas a sustentar a ânsia que cada ser humano tem de conhecer antecipadamente o futuro incerto. E, em termos dos resultados que apresentam, são apenas uma indicação de tendência que uns quatro ou cinco por cento de diferença de votos, no dia das urnas, desfaz com facilidade. Os políticos sabem isso. E tanto assim é que aqueles para quem as sondagens são favoráveis as esgrimem triunfalmente; e aqueles para quem elas são desfavoráveis, afirmam que a verdadeira sondagem é a do dia das eleições. Mais certos estes do que aqueles. O que não quer dizer que as afirmações não se invertam se as sondagens, elas próprias, se inverterem. O que demonstra a tremenda inutilidade das sondagens. Com a agravante de que constituem elas, também e muitas vezes, um modo de explorar a impreparação popular e a falta de sentido crítico em muitos de nós.
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Sofismas, sofismas e mais sofismas. Enquanto não mudarem o seu comportamento, os políticos são apenas bufões de uma peça de feira para a qual já há pouca assistência. Mas, ainda assim, assistência capaz de influenciar o fim da peça. Temos o rigoroso dever de dizer, alto e bom som, onde está o truque dos actores. Foi o que, hoje, aqui tentei fazer.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 2/6/2011
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