OS CONSELHEIROS
A vitória da direita nas eleições deste fim-de-semana é uma réstia de esperança. Mas não mais do que isso. Não é porque a direita ganhou que a situação do país se altera no imediato. Por isso, ficou bem ao líder do PSD afirmar que não sentia nenhum triunfalismo na vitória alcançada. Porque a situação do país é hoje tão difícil como era na sexta-feira passada. De algum modo, o que aconteceu foi que, numa casa de janelas todas fechadas, se abriu uma pequena frincha por onde entra um ténue raio de luz.
Talvez por isso, porque todas as promessas para cumprir são as feitas à Troika, os habituais comentadores da nossa praça, eu incluído, sofrem a tentação de aconselhar, mais do que o habitual. No espírito destes conselheiros, uma vaga ideia de como fazer com que as dificuldades desapareçam ou, pelo menos, se tornem menos pesadas. Não podem os Leitores levar a mal. Afinal, o estatuto de comentadores oficiais faz-nos agir como aquele que vai aos jogos de futebol para nos dizer, no final do jogo, que se passou aquilo que todos vimos. Mas, pela minha parte, há um outro pensamento que se avoluma. Como é que o doutor PC - pode ser que ajude, se ele começar a usar a sigla em vez do nome inteiro – vai conseguir fazer a quadratura do círculo. Tudo vai depender de ser verdade ou não uma frase que ouvi várias vezes durante a campanha. “Já batemos no fundo!”. Oxalá já. Porque, se já batemos no fundo, não podemos afundar mais. Quando se está no fundo, ou se fica lá ou se vem para cima. E havemos de concordar todos que a manta é muito curta para a cama que nos fizeram. Conseguir gastar menos do que recebemos? O suficiente para ir abatendo à dívida, sem o que não haverá mais crédito? Tanto no Estado como na sociedade em geral? Consumir só aquilo que produzimos, se produzimos tão pouco? Cabe no olho de qualquer leigo que só há duas maneiras de reequilibrar o consumo com a produção: ou há mais empresários a investir e mais trabalhadores a trabalhar, para que a produção aumente; ou o consumo reduz-se até ao nível da produção. Quadrar o círculo é o que isto é. Durante os anos de vacas gordas – vacas que até nem eram nossas – fomos comendo bifes. As vacas estão tão magras, isto é, as vacas que nos emprestam são agora tão magras que nem bife têm. Havemos de rilhar os ossos. Acrescendo que tudo isto há de ser feito num ambiente anquilosado, sem dinamismo, sem, como dizem os especialistas, produtividade.
Não invejo o senhor PC. E companhia. Vai ser muito duro para eles. Claro que o Senhor Presidente da República já apontou um caminho. “É preciso criar uma maioria social”, disse ele. Só não disse como. Sem pretender ser conselheiro, vislumbro um caminho. Um pacto social entre Governo, Empregadores e Sindicatos. Assim a modos como uma conversa de pé de orelha, na qual todos se comprometeriam a passar três ou quatro anos como os cães e os gatos vadios. Isto é, a comer espinhas e a rilhar ossos. Depois, colocado tudo nos carris, vamos lá pôr o comboio em marcha outra vez. Era, seria um caminho. O Povo não teria outro remédio senão ir atrás. Desde que estivessem todos de acordo. Mas isso não é possível. Não sei se os Empregadores estariam disponíveis para essa política. Mesmo que não estar signifique que, dentro em pouco, não poderão empregar mais ninguém. Do lado dos Sindicatos, sabemos que a Intersidical nunca estará ao lado de algo assim. Mas talvez se pudesse passar sem ela se tudo o mais estivesse de acordo. Mas o inefável doutor João Proença, já disse como é o jogo do lado dele. “Não aceitaremos medidas de desregulação social. Não aceitaremos o posso, quero e mando.”. Nós sabemos. Como bom socialista que é – socialista, aqui, quer dizer associado do Partido Socialista – está a ferver. Aceitar medidas de desregulação social que viessem de José Sócrates, tudo bem. Agora, aceitar desregulações do doutor PC, isso nem pensar. Aceitar o “posso, quero e mando”, do ex-quase tudo, tudo bem. Agora da nefanda direita que teve a ousadia de ganhar as eleições e dar uma sova “nele”, isso nunca. Portanto, se vier a acontecer um contrato social entre as três forças maiores do funcionamento social, eu faço como o doutor Rebelo de Sousa. Vou tomar banho no Tejo.
Vão ter de ser os Partidos que vão estar no Governo a fazer o trabalho sujo todo. E, ainda que a maioria parlamentar exista, não será possível realizar todo o esforço de retracção que é necessário sem alargar essa maioria. O que significa agregar o Partido Socialista ao esforço necessário. E isso é uma incógnita, neste momento. Vai depender muito de quem vier a ser o próximo líder socialista. Para já as perspectivas são boas. Quer António Costa, quer Francisco Assis, quer António José Seguro, deram já provas de serem pessoas decentes e conscientes. Mas serão capazes de conseguir ser eleitos assumindo, antes da sua eleição como líderes, que vai ser necessário apoiar o Governo em todas as medidas antipáticas que este4 vai ter de tomar? E, se assumirem, reagirá a nomenclatura socialista com sentido patriótico? Não se sabe ainda. Vamos a ver.
Mas ainda não chega. É preciso também grande colaboração do Povo. O objectivo imediato não pode ser o de escapar aos sacrifícios. Porque não há outra alternativa senão os sacrifícios. O objectivo imediato é fazer as coisas de modo a que possamos regressar o menos demoradamente possível aos níveis de bem-estar que já tivemos e que muitos ainda têm. Nós, o Povo, temos de fazer várias coisas para que a tal frincha na janela se vá progressivamente alargando. Temos de exigir que os novos líderes nos falem sempre a verdade. De mentiras estamos fartos. Ou os políticos nos falam sempre a verdade ou não os queremos. Temos de exigir que os novos líderes afastem para longe das áreas de decisão e da vida nacional todos os oportunistas que, após todas as eleições, se colam aos vencedores para encontrarem modo de beneficiarem pessoalmente das novas situações criadas. O povo não quer mais oportunistas perto de quem governa. É necessário que os sacrifícios que vamos ter de fazer nos sejam muito bem explicados e, sobretudo, que sejam muito bem repartidos, sendo maiores para quem mais pode. É necessário que aqueles que trabalham produzam o dobro para que, assim, se criem lugares para os que têm a infelicidade de não poder trabalhar. Assim como é necessário dizer aos preguiçosos, àqueles que não trabalham porque não querem, que não há mais lugar para preguiçosos em Portugal. É necessário criar um governo de competentes e não de vaidosos. Resumindo, é necessário que a sociedade portuguesa, a começar pelos governantes, se torne mais séria, mais responsável, mais trabalhadora.
Se os novos líderes tiverem a capacidade de introduzir paulatinamente estes princípios na vida portuguesa, então podemos legitimamente esperar que a tal frincha de luz se vá abrindo lentamente, até que tenhamos luz outra vez. Se falharem nesses objectivos, regressaremos de novo à escuridão, com a agravante de que, cada vez que mergulhamos de novo na escuridão, mais difícil se torna encontrar de novo uma réstia de esperança.
E desculpe o meu Caro Leitor. Como vê, não resisti à tentação.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 9/6/2011
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