PRIVILÉGIOS INTOCÁVEIS
PEC. Já foi “Pagamento Especial por Conta”. Já não é. Nas circunstâncias actuais pode ser um montão de coisas. PEC é uma sigla versátil. “Portugal É Canja”, por exemplo. Seria, a ser, uma sigla querida do Governo que temos. Meia dúzia a abater e vamos em frente. Até chegarmos ao abismo. Nessa altura fugimos e quem vier atrás que dê o salto. Ou “Palermas Estão Calados”. Provavelmente, uma sigla escolhida por um bom observador. Parafraseando a canção, eles comem tudo e não reclamam nada. Fico com a esperança de que as autoridades europeias não decidam interpretar a sigla como “Portugal Em Coma”. Seria o mais trágico de tudo, diria o (ainda) Senhor Governador do Banco de Portugal. Talvez não. Como sempre, uma morte rápida é sempre preferível a uma morte lenta. Diz o nosso inefando Primeiro-Ministro que PEC é “Plano de Estabilidade e Crescimento”. Para mim, a sigla está mal escolhida. Deveria ser PER. “Plano de Estabilidade Raquítica”. Porque crescimento é coisa que não se verá em Portugal nos próximos dez anos. E, depois disso, veremos. Mas talvez o nosso Primeiro queira dizer outra coisa. Crescimento dos Impostos. Crescimento do Desemprego. Crescimento da miséria. E, sobretudo, crescimento dos privilégios intocáveis. Já lhe explico, Caro Leitor, porque penso assim.
Embora não lhe tenham explicado muito bem, Leitor, já sabe algumas coisas que o PEC lhe traz. Há pensões que vão ser reduzidas. Vai modificar-se o subsídio de desemprego. Vão ser congelados o complemento solidário para idosos, o rendimento social de inserção e os abonos. Vão reduzir-se benefícios fiscais nas áreas da Saúde e da Educação. Uma forma eufemística de dizer que os impostos vão ser aumentados. Vai ser alargada a base contributiva para a Segurança Social, que é um modo eufemístico de redizer que os impostos vão ser aumentados. E vamos ver aonde vai parar tudo isto. Dir-se-á que isto é necessário para reequilibrarmos as contas do país. Não serei eu a desdizê-lo. Aliás, entendo que é necessário muito mais. Que virá nos anos seguintes. E, por isso e por aquilo, é que este PEC merece um mas, um grande MAS. Porque em todo o documento não há, tanto quanto se sabe até ao momento, uma única palavra, uma única medida, que possa afectar os privilégios intocáveis da classe política. Porventura, propositadamente. Para que, agora, durante a discussão e aprovação, possa aparecer alguém a propor e todos os outros a decidir que se baixem os salários dos políticos em cinco ou dez por cento. E aparecerão todos na TV a ufanarem-se do “enorme” contributo que estão a dar para reequilibrar as finanças públicas portuguesas. Quando o defeito não está aí. Está na quantidade “enorme” de pessoal político que existe por aí, quer a nível central quer local, pago pelo suor dos portugueses que trabalham. E há um exemplo, um apenas, que desenha com uma precisão incrível a fotografia dos nossos males. A Assembleia da República. Na qual, como se sabe, “labutam” arduamente 230 esforçados portugueses. Deputados nossos por amor assolapado e da Nação por graça da Democracia. Convido-o, meu Caro Leitor, para uma viagem esclarecedora através do Orçamento da Assembleia. Que sintetizo para Si no quadro anexo. Pode vê-lo integralmente no Diário da República 1ª. Série nº. 28, de 10 de Fevereiro último.
Um primeiro e pouco analítico sobrevoo sobre o dito documento dá-nos a primeira impressão: o funcionamento da Assembleia da República e das comissões que lhe são subordinadas fica aos portugueses por quase duzentos milhões (191.405.356) euros. Isto é, e para não nos perdermos na grandeza, quase quarenta milhões de contos na moeda antiga. Isto é, a módica quantia de 832.197 euros por deputado disponível. Isto é, 166.440 contos per capita.
Claro que os sobrevoos rápidos só são úteis para os olhos de águia. E os “águias” estão todos lá. Não há nenhum cá por fora. Assim, vamos ao pormenor. E comecemos pelo custo directo dos deputados, arredondando para não dificultar:
- Vencimentos ordinários: 10,589.220 euros - 46.040 euros/cada um
- Vencimentos extraordinários: 1.760.400 euros - 7.654 euros/cada um
- Representação: 955.300 euros - 4.153 euros/cada um
- Ajudas de custo: 2.724.050 euros - 11.844 euros/cada um
- Ajudas de segurança social: 1.101.830 euros - 4.790 euros/cada um
- Transportes: 3.868.500 euros - 16.842 euros/cada um
- Outros abonos e contribuições: 912.000 euros - 3.965 euros/cada um
- TOTAL: 21.911.300 EUROS - 95.288 EUROS/cada um
Imagine-se que reduzíamos os deputados a metade. Nem tantos serão os que efectivamente trabalham. Bastaria que todos os que ficavam trabalhassem em full-time, digamos 40 horas por semana Caramba! Um salário mensal da ordem dos 6.800 euros, 14 vezes por ano, deveria chegar para isso. Se isso se desse, a economia para as finanças públicas seria de mais de DEZ MILHÕES DE EUROS. Cerca de um décimo do que o Estado pretende economizar com as medidas na função pública. E ainda contempla o Orçamento o gasto de um milhão e sete mil euros para subsídios de reintegração. Porque, ao fim de dois mandatos, os deputados são uns pobrezinhos inadaptados à vida cá de fora. No que eu acredito piamente. Cá fora, trabalha-se. E, para fecharmos com chave de ouro, imagine-se que com tanta gente “graduada” lá dentro, a Assembleia ainda tem que recorrer a trabalhos especializados feitos fora dela, com o que se gastam 3.593.304 euros. Como o dinheiro é barato para a AR! Fala o PEC de alguma coisa relacionada com isto? Não. É privilégio intocável.
Uma segunda grande observação que o Orçamento da Assembleia da República permite é o que dela vai direitinho para os Partidos Políticos:
- Subvenções aos Grupos Parlamentares: 970.456 euros
- Subvenções aos Partidos representados na AR: 16.976.975 euros
- Subvenções para campanhas eleitorais: 73.719.443 euros
- TOTAL: 91.666.874 EUROS
Vinte milhões de contos, quase! Metade do Orçamento da Assembleia, quase! Partido Político é um grande negócio, quase! Quando for grande quero ser dono de um Partido Político. Não podiam eles dar uma ajudazinha para reequilibrarmos as contas públicas, prescindindo de metade desta gorda fatia e vivendo com a desejável austeridade que estão a pedir aos Portugueses? Fala o PEC de alguma coisa sobre isto? Não. É privilégio intocável.
Falamos da Assembleia da República. Multipliquemos isto, salvaguardando as dimensões, pelas centenas de câmaras municipais que temos e pelos milhares de juntas de freguesia que temos. Peço respeitosamente que me perdoem, senhores governantes e demais políticos, mas Vossas Excelências deviam ter vergonha daquilo que dizem e fazem. Sem se debruçarem, em primeiro lugar, sobre o que se passa no vosso mundo, Vossas Excelências deviam ter pejo em falar no nosso. Com atitudes destas, Vossas Excelências não merecem um cêntimo de respeito por parte dos humildes, abnegados e cumpridores cidadãos portugueses que trabalham de sol a sol para que V. Exas. Possam ser donos de privilégios intocáveis, como estes, mais medievais do que actuais.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 11/3/2010
2 comentários:
Caríssimo,
Parabéns pelo seu blog. Pela pertinência do artigo tomei a liberdade de o publicar aqui:
http://nortesim.blogspot.com/
Obrigado,
vap
Obrigado pela visita e comentário, VAP.
E obrigado também por ajudar a dar a conhecer aos portugueses os desmandos que são feitos com o nosso dinheiro.
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