A TANGA CIVILIZADA
A tanga é tanga. Seja usada na praça pública, despudoradamente, bochechas inferiores ao léu, seja subtilmente disfarçada debaixo do diáfano tule de uma saia rodada rodopiando nos salões. A única diferença está em quem apresenta a tanga. Pode ser um brutamontes, tipo Durão Barroso que, sem mais aquelas, decidiu pôr o rabo do país ao léu, sem mais delongas e sem explicações, gritando no meio da praça "o país está de tanga!". Ou pode ser a gentileza feita pessoa, tipo José Sócrates que, lentamente, vai deixando que vejamos o mesmo rabo através dos sussurros dos seus coadjutores. Os quais, docemente, vão murmurando junto dos nossos ouvidos: "é pá, não achas que o país está de tanga?". A verdade é que, de tantos murmúrios, daqui a nada eu até já estou a ver a tanga no sítio onde apenas estão umas culotes de meio metro.
Há quem se recuse a ver a tanga, sem consciência de que os tempos mudaram - e muito - ultimamente. Desde logo, os optimistas. "Se nenhum país fechou até hoje, o nosso não vai ser o primeiro!". Estes sabem que, por mais tanga que o país use, sempre haverá chicha para realizar mais um EURO/2004 ou uma Casa da Música. Curioso! Os milhões de euros gastos nos dois fenómenos parecem estar a fazer falta hoje. As duas coisas foram, essencialmente, devidas aos socialistas. Com este acréscimo notável: o obreiro do EURO/2004, sorvedoiro de carcanhóis que agora fazem uma falta dos diabos, é presentemente o portador da tanga. Bem feito! Bom. Mas vamos aos outros.
Há também quem tenha consciência da tanga. Mas que acredita que os outros ainda não se aperceberam disso. Vai daí, vão agora dar-nos explicações tanguistas. Suponho que nos vão ministrar um curso de corta e cose, que disso se fazem as tangas. O problema é que, de tanto cortar, ainda vamos ficar todos cosidos. Isto é, e com alguma sorte, vamos ficar todos licenciados em tanga, agarrados a ela para toda a eternidade. Venham as explicações. Mesmo que não compreenda, sempre poderei ficar com um certificado do curso. Com jeito, até é bem possível que seja subsidiado, com dirreito a alimentação, quilómetros e tudo.
Há os que apelam para que usemos a tanga em nome do nosso orgulho de ser português, como fez o Senhor Presidente da República. Ora aqui está o que eu chamo um bom conselho. Então não haveria de ter orgulho de pertencer a um país onde o Governo me pede mais dinheiro para comparticipar menos nos medicamentos que uso, para me reduzir a pensão, para me aumentar a idade da reforma, para ter menos polícias a assistir-me, para me dar uma justiça ao ralenti, para me fazer pagar os serviços do Estado mais caros? Impante estou. De orgulho. Podemos ser um desastre a governar, mas lá que temos imaginação, temos! Obrigado pela lembrança e pelo apelo, Senhor Presidente! De grato, estava até capaz de retribuir o conselho. O Senhor Presidente manda ver quem foi que, desde o 25 de Abril, esbanjou dinheiros públicos à tripa-forra. E depois, corre com os esbanjadores. Ficará Vossa Excelência orgulhoso e eu dobrarei o meu orgulho. Há um perigo. É o de, subitamente, ficarmos sem políticos para governar o país. Mas quem sabe se não será essa a solução?
Depois, há os distraídos, que só agora se dão conta de que o país anda de tanga. Logo à cabeça, vem o Senhor Governador do Banco de Portugal. Tinha que andar distraído. Porque, Senhor Governador, eu não acredito que, do modo como tivemos o cinto apertado, a tanga tenha passado de uns míseros 2,8% para quase 7%, apenas num ano. Para mim, Senhor Governador, os 7% aparecem agora como resultado de um jogo de escondidas que se joga há pelo menos dez anos. Jogo do qual Vossa Excelência tem sido juiz de linha. E não terá dado pela batota dos jogadores. Porque, se deu e calou, o caso seria grave para Vossa Excelência. Espero pelo relatório de Vossa Excelência - que será publicado, diz-se, daqui a dois dias - para ver se estamos realmente, como eu espero que estejamos, face a um caso de distracção apenas.
Mas o maior distraído tem que ser, não pode deixar de ser, o Senhor Primeiro-Ministro. O qual foi surpreendido pelo descarnado deixado à vista pela tanga. Distraído, mas não original. Já ouvi isto num Governo qualquer que ficou aí para trás. Parece ser fadário. Indivíduo que faça campanha pela oposição e que ganhe as eleições, acaba sempre por ser surpreendido. O que me deixa espaço para o conselho porventura mais valioso que já dei na minha vida. E que é o seguinte. Os próximos momentos eleitorais devem ser precedidos de campanhas um pouco mais longas e divididas en duas partes distintas. Na primeira, que eu chamo PERÍODO ESTAGIÁRIO, os candidatos da oposição vão estagir junto de quem estiver no Poder, para tomarem conhecimento da situação verdadeira das contas públicas. Só depois passaremos à segunda parte, a que chamo PERÍODO PROMISSÓRIO, no qual os candidatos, enriquecidos pelo conhecimento da realidade, fazem apenas as promessas que julgam poder cumprir no estado em que as contas se encontram. Com esta medida extremamente simples, evitaremos várias coisas. Desde logo que a tanga passe despercebida a quem ainda a não usa. Depois, evitaremos aos novos eleitos a suprema agonia de terem que não cumprir o que, com tanta boa vontade, queriam fazer. E. por essa via, serem colocados ao mesmo nível daqueles que, com tanto esforço, colocaram fora do Poder.
O mais dramático de tudo isto é que os anos vão passando e continuam todos a dar-nos tanga. Os políticos que estiveram, os políticos que estão e, seguramente, os políticos que hão-de vir a estar. Já pouco falta para que o buraco fique completamente destapado. Meus Caros Leitores. É minha opinião que já não usaremos outra coisa senão a tanga. A não ser que mudemos de alfaiates. Mas têm que ser todos de uma vez. Têm que chegar aí umas eleições para dizermos todos: não vamos às urnas! Arranjem outros se querem o nosso voto! Que todos estes que temos, de tão habituados à tanga, já não conseguem raciocinar em termos de fato completo. Como deve estar a rir-se Manuela Ferreira Leite! Pode acontecer que seja muito mais civilizada a tanga que anunciam agora. Mas não deixa de ser tanga.
Falando de outro modo, temos que produzir algo que seja verdadeiramente um choque. Um choque político. Grande. Poderoso. Por exemplo, uma revisão constitucional que transforme o regime em presidencialista, que autorize a regionalização, que permita o aborto, que faça as igrejas pagarem impostos, que nacionalize a banca outra vez, que situe a responsabilidade com clareza e muito perto do eleitor, de modo a podermos dar uma bofetada em quem se portar mal sem termos necessidade de a mandar pelo correio. Isto é, temos que fazer uma nova revolução. Desta vez, democrática. Porque exigida por um povo vilipendiado, em nome do qual gestores sem qualidade, técnicos sofríveis, funcionários corruptos, empresários oportunistas, trabalhadores preguiçosos, praticam os maiores desmandos. Isto é, ou o regime se transforma por dentro - o que, convenhamos, é difícil mas não impossível - ou vai chegar um dia em que será modificado à força.
Até lá, vai ser o diabo levar as pessoas a usar uma tanga cada vez mais reduzida. Por mais civilizada que ela pareça ser.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 24/5/2005
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