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28.2.08

OS HERÓIS E O MEDO - 187º. fascículo

(continuação)

Aninhai-vos, companheiros! Enterrai a cabeça no solo se for preciso. Nem sequer será vergonha. Enterrar a cabeça no chão é o que fazem todos aqueles que nos enviaram para este inferno. Será que alguns de vós, meus companheiros, estarão a recordar a tranquilidade dos vossos lugares, das vossas aldeias, das vossas cidades? Provavelmente não. O instinto de conservação é mais forte. Não vos envergonheis. É o instinto de conservação que move toda a gente envolvida nesta merda. Os de Lisboa, sentados em sofás de veludo, ordenam a vossa vinda para aqui. Fazem-no por instinto de conservação. Os de lá de baixo, de Bissau, planeiam operações como esta. Fazem-no por instinto de conservação. Com certeza, ao planearem-na, fizeram um cálculo sobre quantas baixas a operação poderia provocar, para ver se seria um número aceitável. Cinco? Dez? Meia centena? Números. Não tenhamos ilusões. Nós somos apenas números. Ok… Dez baixas no máximo. Suportável. Mas quem?… Quem?… Eu?… Tu aí ao meu lado?… O António?… O Joaquim?… O Manuel?… A pergunta crucial nunca é feita. Os Antónios, os Joaquins e os Manueis não existem para quem faz a guerra. Dez anónimos. Dez heróis sem nome. Olhai para a chapa pendurada nos vossos pescoços. Cuidai dela. Não vá dar-se o caso de um estilhaço vos desfazer as ventas, a ponto de vos tornardes irreconhecíveis. Que vedes lá? Um número e a anotação do vosso grupo sanguíneo. Nome? Nada. Trazeis essa chapa ao colo sem reparar na tragédia que ela prenuncia. Tem uma fila de furos a meio, como se fosse papel higiénico, a dividir a chapa em duas partes com as mesmas anotações. Aninhai-vos se não quereis que alguém venha parti-la exactamente por aí. Essa chapa é Vida. Enquanto estiver inteira, é sinal que continuais a respirar. Parti-la é sinal de adeus. A tudo.

(continua)
Magalhães Pinto

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