(continuação)
A emboscada não dava sinais de abrandar. Choviam os estilhaços dos morteiros e das granadas usadas pelos guerrilheiros. Em todas as direcções. Como se um vento enfurecido tivesse perdido o norte. Mantendo os homens quase imobilizados, deitados, certamente rogando a todos os santos da sua devoção que uma granada espúria não viesse rebentar-lhes mesmo em frente do nariz. A situação poderia tornar-se desesperada dum momento para o outro. A imobilidade encorajaria os guerrilheiros a afinarem a pontaria. Alguns, mais corajosos ou mais inconscientes, começaram a rastejar em direcção à floresta onde se acoitavam os guerrilheiros atacantes. As árvores seriam melhor abrigo que o chão. E permitiriam ripostar. Aos poucos, vencida a surpresa, foi sendo feito o envolvimento da zona donde provinha o fogo inimigo. Mais por acaso do que por táctica premeditada. Debaixo de fogo, não há tácticas capazes de resistir. É cada um por si. O espírito de grupo funciona, todavia. Inconscientemente. O treino, mil vezes repetido, é de pouca utilidade como inspiração para os movimentos, para os actos, de cada um. Mas estes, globalmente, obedecem a um invisível sentido de equipa. Cobre-me! Vem agora tu, que eu cubro-te! Envolve pela direita! Cala-me aquela puta da costureira! Uma granada! Chamem o enfermeiro, que o “Funchal” está ferido! Sei lá onde! Achas que tenho tempo para olhar por ele? Porra! Depressa, senão o gajo está fodido! Aparecido como por milagre, desafiando o chuveiro de metal, o enfermeiro já aplicou um garrote no “Funchal”. Ó caralho, vê lá para onde apontas a canhota! Senti agora mesmo uns balázios teus passarem a rasar! A tensão solta a língua, numa tentativa de ultrapassar a sordidez da situação.
(continua)
Magalhães Pinto
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