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17.12.09

CRÓNICA DA SEMANA - II

NATAL GREGO

Poucas vezes, na minha vida, terei celebrado um Natal sob tão maus auspícios. Não pessoais, felizmente, mas para o meu país, infelizmente. Porque comemora um nascimento, o Natal é propício a que olhemos o futuro com confiança. Nascer é o ponto mais longe de morrer. E eu vejo a minha Pátria definhar a olhos vistos, sugerindo-me a imagem daquela pessoa que, acamada, gasta, velha, cheia de achaques, vemos desagregar-se um pouco mais a cada dia que passa. Tento encontrar sinais que justifiquem algum optimismo, procuro deixar-me contagiar pelo Presidente da República, que busca desesperadamente por aí pequenos exemplos de sucesso, para dar ânimo à gente. O contágio não entra. Parece que estou vacinado. Vejo o Primeiro-Ministro tentar fazer a mesma coisa, mas – Santo Menino Jesus! – não consigo escutá-lo e acreditá-lo. É tão artificial o modo como fala e já me mentiu tanta vez! E não consigo escapar à sensação de que este é um Natal grego. Porque, para o ano, vamos ver-nos gregos.

Falando portuguesmente, para o ano vamos estar à rasca. E no ano a seguir também. E no outro a seguir, repete. Talvez nunca o uso da expressão “vamos ver-nos gregos” tenha sido tão bem aplicada, porque os gregos são os únicos que, na Europa, estão pior do que nós. A Espanha também não anda nada bem. Mas tem recursos que nós não temos. Só que a Grécia já acordou. Pelo menos, ao nível dos seus maiores. Nós continuamos a dormir. Não demos, ainda, porque a árvore das patacas, desta vez chamada Europa, secou. Não há mais fruta para ninguém. Gastamos em luxos os montões de patacas que ela deu e, agora, vamos a ver se, para o ano, ainda temos dinheiro sequer para o bacalhau natalício. Em luxos, digo eu? E o que roubamos? E o que enterramos em obras faraónicas, desprezando os muitos e pequenos ajustes que nos fariam sobreviver? Merecemos bem, enquanto povo, os tempos duríssimos que aí vêm.

Olho o jornal de hoje, quando escrevo, e leio duas notícias absurdamente contraditórias. Numa, vejo que, no último passado trimestre, foram destruídos empregos em Portugal ao dobro da taxa média da Europa. O desmentido supremo de que o que de mal nos acontece é devido ao mau comportamento dos banqueiros americanos. Na outra, vejo que os trabalhadores dos hipermercados vão fazer greve nas vésperas do Natal, porque não estão de acordo em estender, se necessário e pago, o seu trabalho semanal para as sessenta horas. Uns querem e não têm. Outros têm e não querem. Trabalho. Podem todos estar descansados. Porque essa de trabalhar sessenta horas por semana vai-nos tocar a todos. Com greves ou sem greves. Com fenómenos destes, chega-se a ter a sensação de que a “escandalosa” (fora do contexto) afirmação da Dra. Manuela Ferreira Leite – de que “chegava a pensar se não seria melhor suspender a democracia por seis meses, para colocar tudo na ordem” – é profética. E, embora muito tristemente, tem, pelo menos, de concluir-se que os Portugueses não sabem construir o futuro em democracia. Olhamos para a História e vemos que só fomos verdadeiramente grandes e capazes de feitos gloriosos quando vivemos em ditadura. Até para descobrir o caminho marítimo para a Índia precisámos de um D. João II, o rei que foi capaz de dizer “aqui mando eu”.

Penso que estamos como um médico no IPO, face a um doente que ainda não é terminal, mas que necessita de uma grande e prolongada intervenção, sem que todavia se tenha a certeza de que se salva. Mas sabendo que é a única alternativa que ele tem para tentar a sobrevivência. Como, ainda ontem, disse George Papandreou aos gregos, tem que haver alguém em quem o Povo acredite a dizer: “Portugal ou muda ou afunda-se!”. E mudar vai significar sacrifícios sem conta. Trabalhar mais. Ganhar menos. Ver reduzir as pensões. Consumir menos. Aprender mais. Ter as férias cá dentro. Enviar lá para fora o que deixamos de consumir aqui. Significa uma disponibilidade para entender que estamos todos no mesmo barco. E, tenham lá paciência, os ricos têm que ser menos ricos, para que os pobres não sejam mais pobres ainda. Os “paninhos quentes” que temos vindo a usar de há quatro anos para cá nem para diminuir a dor servem já. Há que falar verdade aos Portugueses. Não pode acontecer o que ainda agora vimos na Assembleia da República, a propósito do Orçamento rectificativo e da autorização para o Estado se endividar em mais 11.800 milhões de euros. Uma linguagem quase hieroglífica, onde o que realçava era o atirar de culpas de uns para os outros. Sou mais linear aí. A culpa é de nós todos. Se não por outras razões – e há-as – pelo facto de termos deixado à solta encenadores em lugar de gestores. Não pode ser assim. Aqueles que são nossos representantes na Assembleia – TODOS – não podem deixar de assumir que, em nosso nome, são os culpados.

Neste Natal, amargo para os que vêem já um pouco mais além, há que exigir um Governo de Salvação Nacional. Com todos os Partidos, de braço, dado a assumirem as decisões e as responsabilidades. É o modo democrático de realizar o que a visão profética que a Dra. Manuela Ferreira Leite um dia teve. Se é necessário que os Portugueses, todos, remem ao mesmo tempo e para o mesmo lado, tal remar síncrono tem que começar logo no Governo e na Assembleia da República. A situação da Pátria não admite dissidências. Nem egoísmos. Nem antagonismos. A roupa suja tem que ser deixada no coradouro, a ver se chega a limpa. E se não chegar, talvez possamos um dia atirá-la para o aterro sanitário.

Nunca desejei tanto, como neste Natal, que o Pai Natal (ou o Menino Jesus, para aqueles que têm a sua estampa à janela) me desse um presente. Queria que os homens bons e competentes, sobretudo competentes, da minha Pátria escutassem o apelo dos ventos. Precisamos deles. Não podem continuar refugiados na sua concha, que para alguns nem doirada chega a ser. E têm que vir em auxílio da sua gente. É verdade que foi o Povo que ganhou Aljubarrota ou a independência de 1640. Mas não é menos verdade que o Povo precisou, mesmo então, de um D. João I, de um Nuno Álvares, de um D. João IV. Não há nada de sebastianismo nisto que estou a dizer. Porque eu não quero um. Quero uma mão cheia deles. Duas mãos cheias. Que os temos. Mas que estão escondidos, escorraçados que foram pela mediocridade dos presumidos senhores e pela mesquinhez dos assegurados súbditos. Talvez, se eles vierem, o Povo comece a acreditar que acabou o tempo das vacas gordas. E que, se não conseguirmos vencer este tempo de vacas loucas, nem vacas magras chegaremos a ter. Só restarão cadáveres. Das ditas. E os nossos.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 17/12/2009

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