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17.2.11

CRÓNICA DA SEMANA

AS VOLTAS DA MOÇÃO

O telefone retiniu na secretária do líder. Um toque insistente, compassado, o mesmo toque de sempre.

- Estou…

- Olá, Paulo. Fala o Jerónimo…

- Oi amigo! Sabe que gosto sempre de o ouvir. Quando digo o contrário é só para português ver. Mas temos que fazer isto com cuidado que eu não quero comprometer a minha reputação…

- Ó Paulo. Idem idem, aspas aspas. Mas agora tinha de ser! É que nós estamos a pensar aqui em dar um empurrão ao José, mas queríamos saber se podemos contar com a vossa ajuda?

- Vocês nunca mais param de nos imitar, Jerónimo! Isso já eu disse que ia fazer, há dois dias! Mas não interessa quem dá o primeiro chuto. Bora lá! A gente tá nessa!

- Olha, Paulo, não podes dar uma palavra ao teu amigo Pedro, a ver se ele alinha? Não quero dar-lhe abusos falando eu. Já sabes como ele é, dá-se-lhe o pé e ele quer logo a mão…

- Ok! Tou nessa também!

***

Alguns minutos depois, o telefone do Pedro também tocou.

- Estou?

- Se estás ou não eu não sei! Agora andas sempre lá por fora! Fala o Paulo, Pedro…

- Fala o Pedro, Paulo… Caramba, vê-se mesmo que fomos feitos um para o outro! Pedro e Paulo! Parece bíblico… Então que mandas?...

- Ó pá, o Jerónimo diz que vai propor que se abra a porta de saída ao filósofo… Não alinhas?

- Não sei, Paulo. Primeiro, eu acho que as hierarquias devem ser respeitadas. Se alguém deve abrir a porta somos nós, já que a partir desse momento, nós é que mandamos na casa…

- Ó Pedro! Olha que estás a dar uma passada maior do que a tua perna! Vais ver que vais precisar de quem te ajude a arrumar a casa…

-…depois, não sei se o bigue chife aprova isso, Paulo. Por fim, temos os mercados…

- Tu acreditas nessa coisa dos mercados, Pedro? Não é melhor resolver isto por uma vez? Os mercados agravam-se até resolvermos a crise, mas depois melhoram, pá…

- Mesmo que não acredite, é uma boa desculpa. Olha Paulo, acho que vou perguntar ao Aníbal o que é que ele pensa disto…

- Boa ideia, Pedro…

***

- Já disse que isso não convém nada – disse, com voz formal, o Aníbal, depois de ouvida em silêncio total a exposição do ex-companheiro.

- Mas, assim, vamos ter o Zé até às calendas - respondeu o Pedro.

- Nah! Do jeito que ele vai, vai haver muitas ocasiões para lhe abrir a porta…

- Pois… Mas quem é que vai tomar a iniciativa disso?... Se eu digo “agora não”, como é que daqui a meia dúzia de meses vou dizer “agora sim”? Vão-me tomar por mais um contador de histórias…

- Nada de precipitações, Pedro! E isso não é razão. Em primeiro lugar, ninguém vai notar. São tantos que o povo já lhe perdeu a conta. Em segundo lugar, fala nos mercados. É o que está a dar.

- O chefe manda. Tudo bem.

***

Foi mesmo o José que atendeu. O chefe de gabinete tinha sido destacado para a inauguração do caminho de macadame entre Abraveses e Chão-de-Cabras e a secretária tinha ido tomar o pequeno almoço.

- Diga, Aníbal…

- Ó José, tem de ter muito cuidado!

- Não tenho tido eu outra coisa toda a vida. Veja quantas vezes já pensaram que me tinham apanhado nas curvas e nunca encontraram nada…

- Pois. Mas os outros estão a tentar tramá-lo. O Jerónimo vai dar o pontapé de saída, mas os outros são capazes de o acompanhar.

- (silêncio)…

- A não ser que eu faça alguma coisa. Mas para isso, temos de negociar…

- (silêncio)…

- Está aí, José?

- Ah! Estou, estou. Tava a pensar. Eu não gosto de negociar. E depois, se calhar, vale mais a pena negociar com outros. Além de que eu tenho outras boas defesas…

- Bom... Quem o avisa seu amigo é! Veja lá se tem cuidado. Não convinha nada juntar mais uma crise às muitas que já temos, a começar por si…

***

- Tás-me a ouvir, Chico?

José não perdera tempo. Mal terminara a conversa com o Aníbal, fizera ele mesmo a ligação.

- Então que há José?

- Ó pá! O Jerónimo vai-te tramar. Ultrapassou-te pela direita que foi uma limpeza. É no que dá conduzir tão chegado à esquerda…

- Então que foi?

- Uma moção. Vai já ser anunciada…

- Mas quem se atreve a apresentar moções, quando sou eu o grande especialista? Vou já tramar esse gajo. Ele está a fazer a política da direita… Vou anunciar que esta não é a altura para isso. Vais ver que eles vão pensar duas vezes…

- Até parece que os não conheces, Chico! Aquilo é uma máquina afinada. Se dizem que vão fazê-lo fazem-no. E arrumam-te para canto.

- Nem nada. Então ultrapasso-os eu agora. Já vais ver. Só vou combinar aqui uma coisa com o Paulo e avanço. Ouve o noticiário das oito, Zé.

***

- Tu estás maluco, Chico?

- Não estou nada, Paulo! Temos que desarmadilhar a iniciativa do Jerónimo!

- E como é que fazes isso?

- Muito fácil, Paulo. Só preciso de uma pequena ajuda tua. Eu adianto-me, proponho eu uma moção, atiro-me à direita como gato esfomeado a espinhas de carapau e isso dá-te argumento para dizeres logo que não apoias…

- Ó pá! Parece que andamos a brincar às moções! Agora vais tu apresentar uma?

- Vê lá! Preferes a do Jerónimo? A minha não faz mal a uma mosca, a dele não se sabe. E achas que é bom para vocês pegarem já nesta treta? Da maneira que está, o melhor é deixar o Zé comer a sopa até ao fim!

- Bom… Talvez tenhas razão… Vou falar ao Pedro.

***

- Tá, Pedro? Olha, o Chico vai lixar o Jerónimo. E eu acho que ele tem razão. O temporal é muito ainda.

- Acho bem, Paulo. O melhor é deixar acalmar os mercados.

***

- Pois é, Aníbal, o Jerónimo já não vai a lado nenhum. O Francisco vai tramá-lo.

- Acho que fazem bem, Pedro. Digam que fazem o sacrifício em nome dos mercados.

- Pois…

***

- Ainda bem que fizeram parar tudo, Aníbal. Isto ia ser uma confusão do caraças! É que eu não me deixo ir com facilidade. É bom que tomem todos nota…

E o José pediu à secretária, então já regressada do pequeno-almoço, para ligar ao Francisco. Quando este atendeu, conversaram pela segunda vez naquele dia.

- Ó Chico. Conduziste isso muito bem! Afinal, parece que vai parar tudo…

- Ó José, até parece que não me conheces! Tinha de ser! Ficas a dever-me mais uma, pá. Não te aflijas que terás ocasião de pagar.

- Deixa-te de conversas. Vamos mas é trabalhar.

José pousou o auscultador no telefone, ligou o intercomunicador à secretária e ordenou:

- Ó Isilda! Confirme a minha agenda toda para o mês que vem, com excepção daqueles tipos do FMI. Diga-lhes que só em Maio terei agenda, mas que confirmo depois.

***

Não foi assim, certamente. Mas parece mesmo que foi, não acha meu Caro Leitor?

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