Pesquisar neste blogue

21.4.11

CRÓNICA DA SEMANA

O PIOR ESTÁ PARA VIR!

Confesso que já enjoo com esta expressão. Todos parecem apostados em repeti-la exaustivamente, paara suavizar a dor futura. Para mim, assemelha-se assim ao óleo com que o meu massagista mais ou menos desportivo me besunta, antes de me dar pancada de criar bicho, para desentorpecer os músculos. E é por isso que gostava de esclarecer uma coisa. Algo a que me parece, todos têm dado pouca atenção, mas que é para mim o mais grave.

Aquela expressão vem associada geralmente ao aumento de impostos, ao aumento do desemprego, ao aumento do défice orçamental, ao aumento da dívida pública. E, quanto a isso, quero afirmar que pouco me importa. O aumento de impostos, ainda que piore, será a repartir por todos e a mim só me vai caber um bocadinho. O aumento do desemprego já não me vai afectar a mim, porque já sou pensionista; e, pelo ritmo de aposentações que está a haver, qualquer dia seremos todos aposentados e o desemprego desaparece. O aumento do défice orçamental vai terminar porque a isso obriga a dívida pública. E a dívida pública não vai aumentar porque o défice também não. Isto é, no longo prazo, estaremos com tudo equilibrado. Ainda que, a longo prazo, como disse o senhor Silva que é meu barbeiro – eu sei que já não há disso, mas este meu amigo aproveitou as Novas Oportunidades, por não haver concorrência – estaremos todos mortos. Dará no mesmo. Tudo equilibrado.

Assim, o problema não está nas grandezas equilibradas mas no prazo. Se fosse a curto que o equilíbrio surgisse, isto era uma fervurinha, a que os Portugueses já estão habituados. Mas a longo, isto tem uma consequência tramada. Eu explico.

Como sabemos, o desemprego está a aumentar a olhos vistos. Eu já sei que o governo actual não tem responsabilidade nenhuma disso. Ele fez tudo para dar emprego a toda a gente. Basta olhar o Diário do Governo (se não se chama assim, devia chamar-se e eu tento ser coerente) e ver a quantidade de nomeações, designações, encargações, assessoreações, etc., por ele feitas durante os últimos seis anos. Deixem-no governar mais seis anos – que é médio prazo - e metade dos desempregados desaparecerão. Mas o prazo continua a ser o problema. É que, segundo dizem os espertos, que eu disso nada sei, Portugal vai continuar em recessão nos próximos dois anos – que é curto prazo – e, das doze em cada cem pessoas que não encontram trabalho presentemente, vão passar a ser para aí umas quinze em cada cem. Isto parece só um aumentozinho, meu Caro Leitor. Mas é um aumentozão. É que, por cada um por cento que aumenta a taxa de desemprego, são mais 50.000 pessoas que ficam sem trabalho. Isto é, daqui por dois anos, os que procuram trabalho sem o encontrar serão qualquer coisa entre 700.000 e 750.000. Que se lixe, pensarão muitos. Para isso lá está o fundo de desemprego, o rendimento mínimo, o rendimento social de inserção, o rendimento social mínimo, chamemos-lhe – que eu já ando um bocado desorientado com tantos nomes para a mesma coisa, que é pagarem os que trabalham aos que não trabalham – só rendimento social. Mas não é assim. É que a coisa não estica. E se cada dia aumentam os que recebem sem trabalhar e se cada dia diminuem os que trabalham para pagar, há-de haver um ponto em que os que trabalham já não podem pagar aos que não trabalham. É o princípio dos vasos comunicantes em que um dos vasos está furado no fundo. Inexoravelmente, acabarão por ficar os dois vazios.

Até aqui, parece que continua a não haver perigo. E eu comecei por dizer que havia algo perigoso em tudo isto. Mas ainda não expliquei o quê. Vamos a isso. Imagine que deixa de haver água nos ditos vasos. Como é que a gente mata a sede? Ainda por cima, em anos, estes dois que aí vêm, que, todos prevêem, vão ser extremamente quentes? É que ninguém se deixa morrer à sede. Dê lá por onde der. Quando a sede se tornar insuportável, nem que se roube a água. E aqui é que a porca vai torcer o rabo. É que roubar é crime. E, das duas uma, se formos todos ladrões, ou se muda o Código Penal ou o melhor é colocar grades à volta do país e dizer: “Está tudo preso!”.

Chegamos, portanto ao crime. Também se dirá que somos todos um pouquinho criminosos. Alguns dizem isto por ironia, logo acrescentando: “Nós é que temos a culpa, que os pusemos lá!”. Mas confesse lá, meu Caro Leitor, se não comete o seu pecadilho de legitimidade de vez em quando. Claro que sim. Atravessa fora das passadeiras se é peão. Não deixa passar o peão na pssadeira se é automobilista. Se viaja no metro, é capaz de dar uma espreitadela por cima do ombro do vizinho para ler com ele o jornal que só ele pagou. Coisas assim. Claro! Isto não tem nada a ver com a sede de que eu falava acima. Mas é só para exemplificar. Quando a sede apertar – ou a fome, que é a mesma coisa – o crime vai apertar também. Porque ninguém se deixa morrer à sede ou à fome. E, primeiro, começaremos a ver os pequenos roubos generalizados. Uma peça de fruta no mostrador da esquina, uma saca de farinha no supercado do bairro, um leitor de cêdês no hipermercado da cidade. Ou o assalto ao automóvel para roubar o rádio, logo seguido do roubo do automóvel ele próprio. Primeiro, sem violência. O assalto às residências quando os donos não estão. Mas, quando apertarmos a vigilância e ficarmos em casa para guardar o que é nosso, será com violência. Porque ninguém se deixa morrer à sede ou à fome.

Isto é. Toda essa bagunça de que falam, a nível do governo que temos tido, é uma ninharia, quando comparada com as ameaças sociais a que, cada dia mais, vamos estando (estar) expostos. Sobretudo, a ameaça do crime. Sobretudo, a ameaça do crime violento. Aí, sim, é que o pior está para vir. Parece estar na altura de nos mexermos, se queremos, pelo menos, amenizar essa situação mais do que provável.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 21/4/2011

Sem comentários: