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27.4.11

MEMÓRIA

LUZES E SOMBRAS

Vivemos um tempo de factos contraditórios. A esperança, ténue ainda (ou já), não passa de um caíque batida por vagas alterosas, ora na crista, ora na cava. Muitas vezes isto acontece em tempos de crise. Muitas vezes são sinal de melhores dias. Adivinhar é proibido. Sabe-se lá para onde vamos?

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O Ministério das Finanças deu bom acolhimento a uma tese que já aqui defendi. Relacionada com as agências de viagem. Estas vivem, essencialmente, de comissões. Pequenas, faco ao preço de venda das viagens aéreas, que são o grosso das vendas de grande parte das pequenas agências. O pagamento especial por conta aprovado para 2003 conduziria muitas delas à ruína. O Ministério entendeu isto. E promete considerar apenas, para os ditos pagamentos especiais por conta de coisa nenhuma, as comissões recebidas pelas agências. Não é tudo – o pagamento especial por conta é uma iniquidade numa sociedade organizada, é uma espécie de imposto de palhota. Mas já é alguma coisa.

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Mas as agências de viagem não são tudo. Os comerciantes de tabaco estão na mesma situação. Chamei-lhes comerciantes de tabaco, mas enganei-me. O que eles são é cobradores de impostos, uma vez que mais de 70% do preço de venda é imposto. Também trabalham por uma comissão irrisória e vendem volumes monetários gigantescos. A comissão recebida pelos armazenistas de tabaco ronda os 8,5%. Dos quais dão de comissão ao retalhista, algo entre 6,5% e 7,5%. Isto é, ficam com cerca de 1,5% das vendas para os seus custos de funcionamento. O Estado quer 1%. O Estado está doido! E ordens de doidos não se cumprem. Os armazenistas de tabaco não vão pagar o pagamento especial por conta de coisa nenhuma. Acho que fazem bem.

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O Senhor Ministro da Economia anunciou que o pagamento especial por conta de coisa nenhuma vai conhecer ajustamentos. Não sei que credibilidade poderemos atribuir a esta afirmação. Só porque ele nem pode falar em nome do Governo, nem os impostos estão sob sua tutela. É urgente que seja o Senhor Primeiro Ministro a dizê-lo ou a Senhora Ministra das Finanças. E, mais urgente que dizê-lo, é fazê-lo. Quem produz neste país precisa de tranquilidade. Não há produtividade que resista tendo no coração o sentimento de que se está a ser roubado indecentemente por um Estado que se afirma falido.

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A Bolsa está pela hora da morte. Gostava de poder fazer a contabilidade de quanto perderam os pequenos investidores nisto tudo. Não os grandes esses gerem as empresas cotadas e têm ordenados chorudos e mordomias que nunca mais acabam. Querem que cite alguns casos de homens ricos a gerirem empresas que destroçaram muitas pequenas economias? E, depois, como se isto não fosse muito, o absurdo. A CMVM alerta para que os investidores tenham cuidado com algumas das análises de Bolsa feitas por analistas que têm relações perigosas coma s empresas sobre as quais se pronunciam. Compre, dizem eles. E a Bolsa cai. Compre, dizem eles no dia seguinte. E a Bolsa cai. Não faz mal que caia a Bolsa. A pena é que não caia para sempre.

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Melhor do que pedir ao Governo que proteja os centros de decisão nacionais é fazer algo que realmente mantenha esses centros em Portugal. O que, num mercado livre, não pode ser feito – só pode ser ajudado – por nenhum Governo. Por isso é que é boa notícia a que dá conta de que o BCP, o BPI e o BES estão a estudar a hipótese de juntarem os seus trapinhos para gerir as participações que detêm nas grandes empresas nacionais. Se quanto ao BCP se pode especular sobre onde é que verdadeiramente se centra o seu poder de decisão, já o mesmo não acontece com os outros dois bancos. E estes saberão apreciar convenientemente o parceiro que vão ter, a concretizar-se o negócio.

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Pois é. Mas o BCP, mai-lo BPI, mai-lo BES, com todos os seus fundos de investimento, são também, cada um de per si, três portentosos investidores na Bolsa. Quanto mais se estiverem juntos. O que quer dizer que terão a capacidade de influenciar decisivamente as cotações. E se isto contribui quer para a liquidez do mercado, quer para a sua transparência, quer para a defesa dos pequenos investidores, venha o diabo e responda. Estou em crer que não. Isto é, a manutenção dos centros de decisão em Portugal poderá bem estar a fazer-se à custa da liquidez e da trasnparência do mercado de capitais. Ora cá está mais uma das contradições em que a economia capitalista é fértil.

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Enquanto as grandes empresas assim vão sendo tratadas, as pequenas, principalmente aquelas que se encontram em mãos estrangeiras, vão fechando. E com elas, aumenta o drama do desemprego. E com este disparam histórias trágicas, convidadas para o nosso jantar coincidente com o horário dos telejornais. Histórias de famílias que não sabem o que vão fazer à vida. Para os mais novos, será sempre uma questão de tempo. Mas para os mais velhos, Senhor? Onde vão eles encontrar novo emprego com a idade que têm? Os sindicatos, se não estivessem mais preocupados com a luta político-partidária, já poderiam ter, pelo menos, tentado resolver alguma coisa. As indemnizações não deveriam ser em função dos anos de trabalho. Deveriam ser em função dos anos de vida. Ou, se quisermos, inversamente proporcional ao tempo de vida activa restante. Isto, combinado com um incentivo fiscal ao emprego dos mais idosos, talvez pudesse acabar com muitos dramas. Mas, se calhar, algo assim até é inconstitucional. Por não ser igual para todos. Como se fosse igual ficar desempregado aos trinta ou aos cinquenta anos de idade.

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O Senhor Procurador Geral da República tornou oficial e aceitável a denúncia anónima de eventuais crimes. Apesar da hediondez do gesto denunciante, há que estar de acordo. Não pode ser essa hediondez a justificar a hediondez de outro gesto, qual seja o do eventual crime cometido pelo denunciado. A atitude do Senhor Procurador Geral da República é, pois, mais luz que sombra. Uma luz tornada cintilante quando ele afirma também que não é por se ter sido eleito pelo voto do Povo que se está acima da Lei. Que lhe não doam as mãos. Se este país precisa de optimismo – e precisa – eis uma atitude que contribui para ele: saber que a Justiça vai actuar nos conformes para todos.

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Mas será capaz a Justiça de agir bem? Note-se o caso daquela empresa injustamente “capturada” ao seu legítimo proprietário e só devolvida VINTE E CINCO ANOS depois. Toda desfeita, aquilo que fora uma empresa modelar. Quando assistimos a isto, a luz da atitude do Senhor Procurador Geral da República empalidece violentamente.

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Luzes e sombras de uma sociedade à procura do seu caminho, do seu futuro. E, nas procuras, é sempre a luz que ajuda a encontrar. Nunca a sombra. Uma razão para que todos nos empenhemos para que cada vez exista mais luz.

Magalhães Pinto,em VIDA ECONÓMICA, em 29/1/2003

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