
"A administração e os accionistas da Portugal Telecom (PT) têm, obviamente, todo o direito de se defender de uma OPA hostil. E diz-se OPA hostil qualquer tentativa de tentar obter, no mercado, o controlo de uma empresa cotada, sem antes ter articulado a operação com quem manda nela.
Uma OPA hostil pode ter várias defesas. Umas - como as que levam a Autoridade para a Concorrência (AC) e a Comissão para o Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a pronunciarem-se - não dependem da empresa "opada" ou dos seus accionistas. Tais defesas destinam-se a proteger seja os consumidores dos serviços do sector onde se inserem as empresas em luta ou a proteger os pequenos investidores no mercado de capitais. Entendem-se tais cuidados. Por um lado é necessário evitar situações de monopólio num dado sector económico. E, por outro lado, os pequenos investidores não podem estar à mercê de toda e qualquer decisão dos grandes investidores, sabido como é que os interesses de uns e outros não são, muitas vezes, concorrentes. A propósito desta última razão, veja-se, por xemplo, a posição do Banco Espírito Santo (BES), o qual, sendo um accionista de referência da PT, vê passar pelos seus balcões muito da actividade financeira desta última, privilégio que se arrisca a perder, se a OPA da SONAE tiver vencimento, em favor dos bancos que apoiam a empresa de Belmiro na OPA.
...
Ora bem. Há um meio que está tentativamente a ser utilizado pelos grandes accionistas minoritários da PT que parece menos legítimo. É o da blindagem dos estatutos. Em que consiste isto? Em ter, nos estatutos da empresa, uma cláusula impondo um limite aos votos de um só accionista, seja qual seja a percentagem de acções que têm. E isto é importante pela seguinte razão. Imagine-se que tal limite é fixado, na PT, em 15%. Isto quer dizer que, enquanto tal cláusula estatutária não for removida, a SONAE, mesmo que adquira mais de cinquenta por cento do capital, não terá, em Assembleia Geral da PT mais do que 15% dos votos, sendo facilmente bloqueada; continuando um exemplo, chegariam três accionistas com 10% de capital cada um. A OPA não teria, portanto, consequências, mesmo que bem sucedida.
O bloqueio parece ser à tentativa de hegemonização do poder social numa empresa. Mas não é. Quando isto acontece, o bloqueio é ao próprio mercado. Manda quem tenha a minoria de bloqueio, não apenas face aos interesses de um eventual "opante", mas também face aos pequenos accionistas. Um mercado de valores mobiliários com pureza não deveria admitir à cotação empresas com semelhante instrumento de defesa nos seus estatutos. A Assembleia Geral da PT da próxima Sexta-feira tem por principal objecto decidir se se remove tal cláusula dos estatutos da empresa ou não. Algo que se encontra relativamente viciado, uma vez que a minoria de bloqueio também funciona para essa decisão.
É aqui que entra o Conselho de Administração da empresa. O qual, no caso da PT, tem oferecido considerável resistência ao "opante" E é caso para perguntarmos com que legitimidade. É tido por legítima esta defesa desde que o Conselho de Administração entenda que está a defender os interesses de todos os accionistas, grandes e pequenos, e não apenas dos grandes. Pelo menos, da maioria deles, em capital traduzida. E quais são os argumentos que tem utilizado o Conselho de Administração da PT? Principalmente dois, a saber:
- A PT vale mais do que o oferecido pela SONAE; tanto assim é que o Conselho de Administração se propõe adquirir, a curto prazo, dez por cento do capital próprio a um preço cerca de dez por cento superior ao que a SONAE oferece;
- A PT tem grande capacidade de gerar dividendos, tanto assim que já este ano distribui dividendos recorde.
Face a estes argumentos, devo dizer que as minhas interrogações são grandes. Desde logo, porque ainda há um ano a cotação das acções da PT rondava os sete euros por acção. Porque é que teve que existir uma OPA para que os condutores dos destinos da empresa "reparassem" que podiam adquirir as acções aos seus accionistas a quase doze euros por acção? Não foi seguramente porque a PT se valorizou, em termos reais e no curto espaço de um ano, nessa dimensão relativamente gigantesca.
Mas tenho uma segunda. Que raio se passou, num ano em quase crise económica como foi 2006, para que a PT tivesse lucros tão gigantescos que permitiram distribuir dividendos recorde?
Com toda a franqueza, não acredito nisto. Com toda a franqueza, creio que estamos apenas a prometer sem conhecer se se pode cumprir. Isto faz-me lembrar a vida política. Prometer para ganhar eleições. Se as ganharmos, logo se vê. Com toda a franqueza, creio que os defensores da PT estão a usar todos os estratagemas, AGORA, para se defenderem. DEPOIS, quando o temporal passar, vamos a ver, como diz o cego. É um pensamento assim que inculca o comportamento passado.
Fica a terceira interrogação. Esta não já do analista do mercado de capitais e das OPA's, mas do consumidor dos serviços da PT. Onde ela tem sido quase monopolista. Muitas vezes tratando os Clientes do modo altivo como a Companhia das Índias tratava os marinheiros. Não podemos esquecer da resistência por ela oferecida, enquanto detentora dos meios materiais necessários às comunicações, à liberalização do mercado que nos trouxe preços mais baratos. Pela minha parte, estive quase um ano à espera de ser Cliente de outro operador de rede fixa porque a PT não disponibilizava os meios, usando de todos os subterfúgios para isso. Afirmou o Presidente da PT que esta tem boa imagem no mercado de capitais. É caso para acrescentar: mas só nesse; nas telecomunicações nem por isso."
Excerto da crónica O AGORA E O DEPOIS - Magalhães Pinto - Vida Económica - 28/2/2006