Pesquisar neste blogue

16.2.07

MOMENTO SURREALISTA



A DIFÍCIL ARTE DE COMER

Os jornais têm-se esfalfado a dizer que cada vez estamos mais gordos. Nós, os Portugueses. O que, pessoalmente, considero um milagre. Nos tempos difíceis que vamos atravessando, estou em crer que se trata de uma gordura balofa, feita de ar e vento, já que o dinheiro para comer é cada vez menos. Bons ares continuamos a ter. Embora esteja em crer que não será por muito mais tempo.

Claro que há mais explicações para a gordura de que vamos dando provas. E uma delas é a de que as nossas rações - leia-se frangos, perús, porcos, vacas, coelhos e cabritos - tragam consigo aquilo que os produtores das ditas chamam "vitaminas". Uma porcaria qualquer, que, continuam a dizer os cientistas, causa cancro se engulida continuadamente. E se cientista diz, deve ser verdade. Os cientistas raramente se enganam. A última vez que se enganaram foi quando me disseram que comer azeite - o azeite é dos poucos líquidos que se come, não se bebe - era mau para a saúde e que era preferível utilizar óleos. O que viriam a desdizer anos mais tarde. Mas, pelo sim pelo não, isto traz-me desconfiado e já tentei arranjar solução para matar a desconfiança. Eu conto como fiz.

Tenho uma varanda lá em casa, daquelas todas envidraçadas a que alguns chamam "marquise". Aquilo é uma estufa. Mandei desocupar o espaço, enviando as máquinas de lavar e secar, que por lá tinha, para o ferro velho. Instalei uns caixotes de madeira e fui buscar à aldeia um pedaço de boa terra, ainda sem adubos. E disse à mulher e aos putos que adubo, ali, só o do gato. Semeei alguns legumes e plantei uma couvitas. Por aqui, estava resolvido. Verduras ecológicas já eu tinha. Mandei tirar as portas ao armário das ferramentas e colocar umas grades. Dividi ao meio e, de um lado, coloquei uma galinha poedeira e um galo de crista quebrada. Do outro lado, um coelho e uma coelha. E fiquei à espera de que os casais se multiplicassem, como mandou Nosso Senhor. E, porque uma dieta saudável não deve ser só à base de carne, instalei no meio da varanda-marquise um alguidar de barro, no qual coloquei meia dúzia de peixinhos vermelhos. Não sei se são todos machos ou todos fêmeas. E o homem que mos vendeu também não sabia ver. Mas vou confiar na sabedoria da mãe natureza.

Já decorreu algum tempo e começo a ficar desesperado. Tenho passado muito tempo a olhar para os animais e nada. Desconfio que o galo não bate certo. Passa a vida a encrespar-se para o coelho e não liga nada à galinha. Desconfio que sofre de desvios da sexualidade. O coelho, esse, passa a vida a espreitar os ovos da galinha poedeira, com ar de quem espera ver nascer os pintos. O meu receio é que seja pedófilo. A galinha e a coelha estão sempre a fazer rapapés uma à outra e a nenhuma vejo a fazer tricô, atitude que seria a normal em mães à espera de ter filhos.

Moral da história. Que são duas. A primeira é que não vou conseguir aguentar muito tempo a situação. Estou com muito receio que a minha exploração doméstica vá à falência. E a segunda moral da história, sem moral nenhuma, é que o diabo dos animais que arranjei são prevertidos. Só que não sei onde ir arranjar um galo à moda antiga, daqueles que saciava os desejos de vinte galinhas em cada dia, e um coelho que, num abrir e fechar de olhos, emprenhava uma coelha. Assim, isto não terá remédio. Com o cancro sexual dos animais, não me restará outra solução senão comer os bichos criados pelas "vitaminas". Arriscando-me ao cancro. Isto é, está tudo canceroso.

Magalhães Pinto

(Imagem de theholidayspot.com)

Sem comentários: