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A maioria absoluta de um só Partido no Parlamento rompe o tecido frágil das decisões equilibradas. Rompe e corrompe. Dá, a quem a detém, a consciência absurda de que toda a ciência os abençoou com a infalibilidade por obra e graça de uma votação. Faz, fazendo de conta, da vontade colectiva o bem pessoal e da vontade pessoal o bem colectivo. Olhe-se as Finanças Públicas. Há mil maneiras de reequilibrar um orçamento de estado. Umas mais dolorosas do que outras. Qual a escolhida? A que atinge sobremaneira os menos protegidos. Os jovens. Os velhos. Os assalariados. Os desempregados. Os doentes. Num abrir e fechar de olhos, passou-se do Estado Social ao Estado Associal. Olhe-se a Justiça. Com anos e anos de espera, os poderosos a escapulirem-se por entre os rombos que apresenta como enguias por entre os dedos de uma criança. O Ministério respectivo devia chamar-se Ministério da Injustiça. Olhe-se o cuidado com os doentes. Tratados aos baldões pelas estradas de Portugal. Medicina Ambulatória porque prestada em ambulâncias. Do nascimento à morte. Nasce-se na ambulância antes de ser admitido no hospital e morre-se na ambulância depois de despedido do hospital. Olhem-se os velhos. Arrumados para os bancos do jardim ou sozinhos em casa. Uma só forma de solidão às voltas com os padecimentos, medicamentos ao preço do ouro. Olhe-se a educação dos jovens. A irresponsabilidade ensinada pelo exemplo nos bancos da escola. A formação de cidadãos homogéneos com os maus costumes que se vão instalando. As promessas de Abril reduzidas a pó pelos que dizem defendê-las. Pelos que fazem promessas que sabem não ir cumprir. E tudo feito com um sorriso de campeão olímpico no canto do olho, como quem fala para uma plebe ignorante, a quem se faz o favor de ensinar os bons caminhos. A estabilidade política é uma desgraça, que só serve os instalados.
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Excerto da crónica PAÍS DE MAUS COSTUMES - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" 13/2/2008
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