(continuação)
Com frieza profissional, Soares da Cunha mandou que o cobrissem com um casaco de camuflado. Não havia necessidade de pedir socorros ou mandar vir o helicóptero de evacuação. O perigo passara. E o homem estava morto. Organizou a tropa. Deu algumas ordens secas, para quebrar os pensamentos sentimentais. Os terroristas não se acoitavam ali, tão próximo ainda das povoações aonde aquartelavam as tropas. Estavam a menos de vinte quilómetros de Mansoa. Os gajos vieram de longe, seguramente, pensou o capitão. E, quando era assim, passavam a noite em alguma tabanca das proximidades. Havia que descobri-la. E ordenou uma batida a pé pelas redondezas.
Não foi difícil. Estava assinalada no mapa. Não muito longe do local da emboscada. Inúmeros sinais denunciavam a presença dos guerrilheiros ainda não há muito tempo. Não se viam agora em parte alguma. Crianças completamente nuas olhavam, entre o temeroso e o divertido, o aparato dos soldados que, seguindo à letra o manual da instrução, passavam busca à aldeia. Alguns velhos, acocorados, rostos esfíngicos de quem já tudo viu, assistiam imperturbáveis. Uma mulher guinchava um dialecto incompreensível para os homens, parecendo querer dar a entender, pelos gestos, que lhe tinham batido. E apontava frenticamente para os balaios desoladoramente vazios. Ainda por gestos, parecia dizer que lhe tinham roubado o arroz. A um canto do terreiro, meia dúzia de galinhas esgaravatavam cacarejantes, na procura de algum grão de milho perdido.
(continua)
Magalães Pinto
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