(continuação)
O pedido da mulher ficou a martelar o pensamento de António Soveral. Não era algo que ele gostasse de fazer. Como oficial superior, muitos amigos e conhecidos lhe tinham batido à porta para livrar filhos e outros parentes do serviço militar, primeiro, e da ida para África, depois. Sempre se recusara a fazê-lo. Sabia que alguns camaradas intercediam nesse sentido. Mas ele entendia não dever envolver-se nisso. Não era justo, acreditava. O esforço de defesa da Pátria incumbia a todos e não podia estar dependente das cunhas disponíveis. Por idênticas razões, não gostaria de fazer isso em relação ao tal José António. Não tinha o direito de interferir no destino. Como não tinha o direito de fazer substituir um outro jovem qualquer por aquele, só porque isso lhe convinha. Não podia deixar de dar razão à mulher. Talvez devesse seguir com atenção o seu percurso na tropa. E não teria de agir, provavelmente. Se ele estava a entender bem o que se passava, o rapaz não tardaria a bater com os costados em África. Sem necessidade de ajuda nenhuma. Eram raros os isentos da viagem africana. A guerra estava para durar. Esta geração de jovens provaria a guerra, na sua maioria. Para alguns, era bom. Alargava-lhes os horizontes. Ganhavam da vida uma perspectiva inteiramente nova. Endureciam. Habituavam-se aos sacrifícios, às incomodidades, ficavam a saber que viver é, quase sempre, um acto de coragem. Mas, também, um grande sacrifício era pedido a esta geração. O mundo podia discutir se a guerra colonial portuguesa era justa ou injusta. Mas não podia deixar de reconhecer o sacrifício desta juventude. Não podia negar dar ela à Pátria o melhor tempo das suas vidas. E fazia-o generosamente, sem discutir, sem se queixar, executando o que lhe mandavam. Fazia-o consciente de estar a cumprir um dever, fosse tal consciência certa ou errada. Poucas vozes exteriores chegavam aos ouvidos duma juventude assim generosa. Só a rádio podia escapar à vigilância da Censura. E, mesmo essa, não inteiramente, devido às interferências provocadas. Era bom, isso. As vozes da sedição poderiam despertar, naquela juventude generosa, sentimentos egoístas susceptíveis de abafar o sentimento do dever. Por muito dura que fosse a Censura, era uma necessidade, sobretudo em tempo de guerra. O inimigo exterior faria tudo para minar o moral da nação. Usaria despudoradamente da mentira. Acusaria as tropas portuguesas de massacres. Faria surgir as populações autóctones, que ali também se defendiam, como vítimas da acção dos soldados. Veja-se como tinha acontecido em Angola. Nem uma censura internacional para os massacres cometidos nos trágicos dias de Fevereiro de sessenta e um. Mas tinha sido um clamor imenso quando as primeiras tropas portuguesas, no uso do direito que lhes assistia de restabelecer a ordem, tinham cometido um ou outro excesso. Daí até à instalação da desordem interna seria um passo. E nenhum país pode assegurar a sua perenidade se não existe ordem.
(continua)
Magalhães Pinto
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