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29.10.09

CRÓNICA DA SEMANA - II

XVIII

Dezoito. Constitucionais. Acrescentando-se-lhes os Governos Provisórios, faz vinte e quatro. Para os vinte e três já corridos depois da Revolução, dá uma média redonda de ano e meio por cada um. Devemos estar quase a bater o recorde dos italianos. E teremos muita sorte se este, o XVIII, não fizer baixar a média. Um quadro que fala bem do Povo que somos. Queixamo-nos de que os problemas estão quase todos por resolver – menos o da sacrossanta Liberdade, claro – e nem sequer notamos, por entre os protestos que fazemos, que a culpa é toda nossa. Uma culpa de que os políticos se aproveitam com oportunidade. Digam-me lá: se os governos não duram, em média, mais do que ano e meio, que responsabilidade podem sentir aqueles que os integram?

Tenho feito muito da minha carreira profissional, já longa, na administração de empresas. E, em cada ano, lá tive sempre que apresentar contas aos accionistas. Algumas vezes, felizmente não muitas, nestes quase cinquenta anos a trabalhar em tais cargos, para dar conta do insucesso das políticas que inventei ou subscrevi. Mesmo quando a culpa era do mercado, das crises, do preço do dinheiro, da concorrência. Quem me dera gerir uma empresa chamada Portugal! Reparem só:

- Tem as receitas que quer, porque o produto está todo vendido;
- Vende o produto mesmo a quem o não quer;
- Não tem monos com efeitos no rendimento das vendas;
- Dá ao produto a forma e a qualidade que quer;
- Não precisa, por isso, de fazer marketing;
- É capaz de inventar sempre que fazer para o pessoal que quer empregar;
- Tem do banco o financiamento todo de que precisa;
- Não tem que dar garantias reais ou pessoais ao banco para ter o dinheiro que quer;
- No caso de ter dificuldades momentâneas de dinheiro, pode reduzir o produto que dá em troca do mesmo preço;
- Em casos extremos, pode mesmo dar menos produto subindo simultaneamente ao preço;
- Os administradores levam uma vida faustosa, com todas as despesas pagas pela empresa;
- Os administradores têm uma influência enorme sobre o mercado, podendo mesmo liquidar as ambições de quem se atreva a criticar a empresa;
- A influência é tal que podem decidir quem enriquece ou quem empobrece, com uma assinatura num papel;
- Se, mesmo assim, a vida da empresa se degrada durante a sua gestão, a culpa não lhes pertence e há sempre uma crise vinda do exterior para justificar o insucesso;
- Claro que os administradores da empresa têm um momento de prestar contas, o momento das eleições;
- Mas contam com a parvoíce dos accionistas – todos nós, afinal – para uma eventual recondução no cargo.

Gerir uma empresa assim é a bênção dos céus! Apesar disso, vejam a média. Uns dias mais do que ano e meio para cada mandato. Das duas uma: ou são mesmo maus, na média, os que mandam, ou nós, os mandados, os que os elegemos, somos uns descontentes profissionais. E não os deixamos mandar até ao fim. Recebendo, por contrapartida, a irresponsabilidade no mandar.

Isso não impede que olhemos cada grupo de novos mandantes com uma névoa de esperança a tapar a visão da realidade. Também acontece isso com o XVIII. Vai começar agora. Podíamos cair na tentação de pensar que nada muda em relação ao passado recente, uma vez que o presidente do conselho de administração é o mesmo. Mas não é assim. Muita coisa vai mudar. Desde logo, por muito que mande o presidente, os outros membros do conselho têm uma palavra a dizer. Depois, porque os mandados decidiram apertar um pouco as rédeas aos mandantes. Se qualquer governo não tem a certeza absoluta de que pode durar a vida pré estabelecida – vide caso de Santana Lopes – este tem-na muito menos. Depois, ainda, porque, se a situação era má quando o governo anterior pegou num mandato alargado, muito pior é no início deste, em que tem a vida possivelmente encurtada. A dívida é maior. O défice é maior. A competitividade é menor. A legião dos desempregados tem hoje muito mais centúrias. E nós sabemos o que penámos com a vida no anterior mandato, que havia começado, afinal vemos hoje, em muito melhor situação. Como é que se pode ter esperança no dia de amanhã num quadro assim?

Penso que só dois grupos sociais podem verdadeiramente ter esperança numa vida melhor no futuro próximo. Os professores. E os homosexuais. Os primeiros porque desapareceu, morreu (politicamente), finou-se, eclipsou-se, a senhora das avaliações. Os segundos porque Sócrates não quer ficar atrás de Zapatero. O resto vai ver a vida virar um inferno. Os desempregados porque vão continuar no desemprego. Os empregados porque muitos vão ficar desempregados. Os funcionários públicos porque, continuando a ter emprego, vão realmente ganhar menos. Os estudantes porque vão continuar a estudar para nada. Os analfabetos porque só vão continuar a ter diplomas e mais nada. E os diplomas não podem comer-se ao jantar. Os empresários porque vão continuar a ter o acesso ao dinheiro muito difícil. Os devedores ao banco por compra de habitação porque as prestações vão voltar a subir. Os doentes porque vão continuar a ter que penar para encontrarem tratamento. Com os remédios cada vez mais caros. Com mais alguns cortes nas prestações da Segurança Social. Exceptuo, naturalmente, o caso dos doentes com a Gripe A. Para estes vai haver vacinas que cheguem. As sequelas da vacina chegarão lá mais para diante, se chegarem. Ah! Esquecia-me de outro grupo social que também pode ter esperança. Os políticos. Para esses, não há esperança que morra. E não estou a usar metáfora. Não estou a falar da esperança que eles vendem. Estou a falar da esperança que sentem. É verdade que, neste caso, os mais esperançosos podem ter um período de vida útil muito curta. Mas não faz mal. É que, melhor do que ser político, é ter sido político. Que o diga o senhor ex-ministro Jorge Coelho. Por exemplo, que há muitos mais exemplos.

Posto isto, aguardemos o futuro com tranquilidade. Mas sem esperança. Tal como os políticos, eu sei que o meu Caro Leitor não gosta de não ter esperança. Por isso vai tanto na cantiga deles quando eles só nos falam de esperança. Mas esperança é um sentimento que é isso mesmo, espera. E se nós temos sempre esperança é porque estamos sempre à espera. Pena que seja de algo que nunca mais chega. A espera de que amanhã seja melhor do que hoje foi transformada numa espécie de espera de Godot. Apesar dos anos, ainda hoje estamos à espera dele. Mas eu, como não sou político, posso-me dar ao luxo de não tentar vender a esperança, como fazem os políticos. E posso olhar a realidade despido desse diáfano manto de fantasia que a esperança é no meu país e nos tempos que vão correndo. Com toda a franqueza, meu Caro Leitor, penso que só nos resta uma coisa. Esperar que o tempo passe para renovarmos a esperança. E deixemos o XVIII governar naquilo que vai, com certeza, ser um arremedo de governação. Vai antes ser a preparação das novas eleições.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, EM 29/10/2009

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