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26.10.09

MEMÓRIA

A EUROPA E A CRISE

Só por aleivosia e manifesta intenção de ganhos eleitorais em próximas eleições se pode esconder o regozijo que nos devia invadir, ao vermos um compatriota nosso ser escolhido - é o verdadeiro termo, escolhido - para presidir aos destinos da Comunidade Europeia nos próximos cinco anos. Veja-se seja de que ponto de vista for, esta é uma das maiores - se não a maior - honras concedidas a Portugal desde que dela somos membros. É verdade que Durão Barroso é escolhido por falharem os consensos relativamente a outros que ao cargo se haviam candidatado. Entre eles, um outro português, António Vitorino. O qual nos daria igual satisfação se nomeado. Aliás, nunguém poderá negar o empenhamento do Governo Português, presidido pelo mesmo Durão Barroso, para que sobre ele recaísse a escolha dos países membros. Mas António Vitorino tinha dois "pecados" cuja ultrapassagem se mostrou inviável. Por um lado, nunca fora Primeiro Ministro. O que, não sendo de todo inviabilizador, lhe reduzia bastante as possibilidades. E, por outro lado, não pertencia à família política maioritária na Europa, a direita. Socialista e sendo os socialistas minoritários na Comunidade, tal consituía - e veio a constituir, não obstante o seu prestígio pessoal - obstáculo inultrapassável. De relevar o entusiasmo que todas as forças políticas portuguesas - incluindo a direita - colocaram na eventualidade da nomeação de António Vitorino. A colocar ainda mais em evidência, no pior sentido, a aparente má vontade com que a oposição esquerdista - PS incluído - parece receber a escolha de Durão Barroso.

De entre os argumentos utilizados para mal colocar a disponibilidade de Durão Barroso para aceitar o cargo, um há que me provocou alguma náusea. Qual foi o da acusação de que o Primeiro Ministro estava a fugir às suas responsabilidades. Numa óbvia tentativa de colar esta decisão do (ainda, no momento em que escrevo) Primeiro Ministro de Portugal à atitude do seu sucessor António Guterres. O qual, com o país num estado lastimoso e tendo perdido umas simples eleições autárquicas, mandou o esqueleto (a que havia reduzido o país) às malvas e foi prégar para a Internacional Socialista. Comparar as duas situações é uma maldade inominável. Tanto maior quanto, tendo levado um banho nas últimas eleições europeias, o Primeiro Ministro não abandonou o barco como, porventura, alguns esperariam. Isso, sim, seria uma atitude idêntica à de Guterres. Sair porque a Europa - de que Portugal é uma ínfima parte - precisa dele, sair porque pode dar um contributo inestimável não apenas a estabilidade europeia mas também para o equilíbrio entre grandes e pequenos países (equilíbrio cuja ruptura tanto se teme), sair para um lugar do qual Portugal sairá bastante beneficiado, não apenas no prestígio mas também no cuidado com os seus interesses, sair assim, por isso tudo, não é apenas honra e glória, é sobretudo serviço a Portugal.

Claro que este acontecimento é susceptível de provocar uma pequena quebra da estabilidade política em Portugal. E são aqueles que mais acusam Durão Barroso de tal provocar com a sua atitude os que mais se esfroçam para que a estabilidade se rompa. Esquecendo-se de que a democracia portuguesa comporta soluções várias - e não apenas uma - para a situação assim criada. Mas entende-se porque é que as Oposições tanto se esforçam por criar um falso clima de agitação política. No fundo, reside um profundo temor. Temor de que, sem eleições imediatas e com novo Primeiro Ministro - o que comporta novo Governo - seja possível inverter o clima de impopularidade a que o presente se alcandorou, muito por força das medidas impopulares que se viu forçado a adoptar. Temor de que, nos dois anos de legislatura que ainda faltam, se venha a provar quão benéfica foi para Portugal a escolha recaída sobre Durão Barroso. Temor de que, por essa via, o Poder, que já se sentia a aquecer as mãos, escorra por entre os dedos como água de lavar. E continuem as 0posições no gueto da incompetência. É essencialmente esse medo que move as Oposições neste momento. Forçando-as a uma atitude que - até por comparação com o que se passa a propósito do Euro/2004 - tem tanto de execrável como de pouco inteligente.

Tudo vai depender, sobretudo, da atitude dos dois partidos da coligação governamental. Cabendo a última palavra ao Senhor Presidente da República e ao seu indesmentível e partidariamente independente bom senso, o resultado final desta pequena crise política portuguesa, desencadeada em nome dos interesses da Europa, dependerá essencialmente da atitude sucessória que for adoptada. Ou o PSD e o PP entendem colocar à frente de tudo os interesses de Portugal e indigitam um nome que seja indiscutível para suceder a Durão Barroso, um nome que, pelo seu prestígio e competência, se sobreponha ao facto de não ter sido legitimado pelo voto popular; ou escolhem um nome muito discutível, sobretudo internamente, e vamos seguramente ter eleições antecipadas, de resultado mais do que imprevisível. Com a concomitante perda de tempo, interrupção de uma linha política de governação, os custos inerentes para o país e o agravar da situação actual.

É relevante o argumento da legitimação popular através de eleições. Mas apenas até certo ponto. Não se pode, por um lado, dizer que as eleições são por Partido (e não uninominais) e, por outro lado, exigir que, na falta de alguém eleito nas listas do Partido, ele não seja substituído por quem o Partido indicar. Atentemos que a indigitação compete ao Senhor Presidente da República, o qual, depois de ouvidos os Partidos com representação parlamentar, indigita uma personalidade para formar governo. Não há na Lei, tanto a quanto chegam os meus conhecimentos, o que quer quer que seja que impeça o Senhor Presidente da República de indigitar alguém que não tenha sido eleito directamente. Todavia, não podemos iludir que, ao votar, o Povo sabia quem viria a ser o Primeiro Ministro. Mas era uma sabedoria provisória. Se Durão Barroso tivesse ficado impossibilitado de governar no intervalo que mediou entre a eleição e a sua nomeação para Primeiro Ministro, seguramente que se não fariam novas eleições apenas por esse facto. Aliás, como aconteceu aquando da morte do Dr. Sá Carneiro e sua substituição pelo Dr. Pinto Balsemão. Assim, o argumento é parcial e escassamente válido. E pode ser elidido se o Povo ficar satisfeito com a escolha que vier a ser feita. O que, naturalmente, a Oposição não pretende que suceda. É este um dramatismo próprio da democracia parlamentar. Às Oposições - quaisquer que elas sejam - não interessa o que for melhor para o país. Interessa o que for melhor para os seus objectivos de conquista do Poder.

O mesmo se diga quanto à decisão sucessória a produzir pelos dois partidos que governam. Plantou-se imediatamente no horizonte a hipótese Santana Lopes. Um homem politicamente hábil, com a vantagem de ser o primeiro Vice-Presidente do partido maioritário no Governo. Mas tecnicamente pouco experimentado. Não levou as suas experiências governativas até ao fim. Rapidamente se escapuliu da Figueira da Foz, onde teve a sua primeira experiência governativa de fogo. E tem sido algo contestado em Lisboa, embora pareça que a sua obra é globalmente positiva. Mas é, sobretudo, um homem do aparelho. É sobretudo um político bem-falante. E julgo que Portugal precisa, neste momento atribulado, essencialmente de alguém capaz, sabedor, de vasta experiência governativa. Assim, é minha opinião que Portugal precisa de alguém mais competente do que Santana Lopes. Mas, aqui também, uma coisa é aquilo de que o país precisa e outra, bem diferente as mais das vezes, aquilo que os políticos querem.

É por todas estas razões que as minhas preferências para a substituição de Durão Barroso repousem, inteirinhas, numa personalidade como Miguel Cadilhe. Competente, independente quanto baste das influências partidárias, com uma visão da política económica necessária ao país muito profunda e reformista, com uma história de sucesso indiscutível por detrás da sua acção governativa, com prestígio mais do que bastante para se impor a correntes perturbadoras, Miguel Cadilhe seria o Primeiro Ministro ideal para Portugal nesta conjuntura. Um pequeno senão. A sua aparente inabilidade para lidar com a gestão das intrigas palacianas a que um Primeiro Ministro sempre está sujeito. Mas também com um grande ponto a favor. Correríamos o risco de ver reeditados os melhores anos da governação de Cavaco Silva. Para cúmulo, Cadilhe até foi Ministro das Finanças de sucesso como aquele.

Aguardemos os acontecimentos. Com tranquilidade. Em primeiro lugar, porque tudo acontece devido a um facto de que deveríamos orgulhar-nos tanto como se formos campeões europeus de futebol: a escolha feita, por 25 países, para que um Português presida aos destinos da Comunidade por eles formada. Felicidades, Doutor Durão Barroso. E, em segundo lugar, mas não último, porque à frente das decisões necessárias está alguém cujo comportamento anterior nos faz olhar o futuro serenamente: o Senhor Presidente da República.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 28/6/2004

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