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21.1.10

CRÓNICA DA SEMANA - II

DINHEIRO VOLANTE

Isto é, que voa. Para parte incerta. Ou melhor, certa mas de difícil acesso. Há montanhas enormes a remover para se lhe sentir pelo menos o cheiro. Já não bastava o que se escoa em obras a mais nas empreitadas do Estado. Já não bastavam os fundos europeus que ninguém sabe aonde vão parar. Já não bastava o desperdício de recursos em que o Estado é pródigo. Chegou agora a vez das prestações sociais. Subsídio de desemprego. Subsídio de doença. Rendimento Social de Inserção. Meio milhar de milhões de euros a voar. Melhor colocar em número. É mais expressivo. 487.000.000,00 euros. Dos quais, 300.000.000,00 desde que os socialistas governam (?) o país. Olha-se para o número e sente-se quanto a falta de rigor na administração do Estado nos condena a um futuro sombrio. De morte lenta, dizem alguns. Talvez seja isso, talvez não mereçamos viver como Estado independente. Parece ser urgente interditar os governantes de administrar o património de todos.

O primeiro comentário que estes factos, agora vindos a público, merecem, é o de que estamos em presença de uma situação extremamente bizarra. A máquina administrativa portuguesa é uma das mais numerosas da Europa, tomemos seja qual seja o indicador relativo. Tanta gente! A fazer o quê, se pelas malhas do trabalho passam, caudalosas, as fraudes e as faltas de controlo? E não só isso. São pessoas que decidem da atribuição das prestações do Estado. São pessoas que analisam processos e julgam da correcção dos elementos informativos que deles são parte. Pelos vistos, e em muitos casos, os candidatos às prestações sociais falam e todo o mundo se acredita e não ri. Para que servem as autarquias, designadamente as Juntas de Freguesia, sempre tão próximas das pessoas? Servirão tão só para nos encharcarem de propaganda eleitoral durante todo o tempo que dura um mandato? É que, meu Caro Leitor, as câmaras municipais e as juntas de freguesia ficam por uma pipa de massa! Deveriam ajudar a conter os desperdícios e não o fazem. Porventura, a culpa nem será sua. Talvez seja de uma legislação que faz com que o Governo Central e respectivos serviços vivam distanciados das autarquias, no cego convencimento de cada um administra o seu feudo. E estamos a falar de um conjunto que, entre si, reparte a administração do Estado como um todo. Qualquer deputado – ou grupo parlamentar – minimamente interessado em melhorar o país já teria apresentado um projecto de Lei qualquer que emendasse o modo como funcionamos. Mas, os deputados são aquilo que a gente sabe. Ao ouvir as discussões da Assembleia da República chego a ter, muitas vezes, a sensação de que estou a assistir a meros jogos florais.

O segundo comentário tem a ver com a responsabilidade. Não estamos a falar de decisões políticas, pelas quais só existe a responsabilidade política. Estamos a falar de factos patrimoniais, numa situação em que o menor zelo provocou prejuízos significativos para todos nós. Quarenta e oito euros, para ser mais concreto, surripiados a cada um de nós. Incluindo crianças, novos, adiantados e velhos. Homens e mulheres. Heteros e gays. Dementes e ajuizados. Sérios e ladrões. Pobres e ricos. Todos. Quarenta e oito euros a cada um. Quatro vezes o aumento da reforma de um pensionista mediano. E, então, há um roubo desta natureza e ninguém é responsável? Uma fonte do Ministério do Trabalho e da Segurança Social afirma que a recuperação dos fundos assim perdidos é muito difícil porque “estamos em crise”. É verdade. Mas eu acrescento. Estamos em crise enquanto cidadãos. O nosso património comum é diariamente objecto de assaltos e não surge nem um único responsável. Quais Diógenes, bem podemos andar de lanterna acesa pelas repartições, tentando encontrar um, um só, funcionário público convicto de que lhe cumpre ser o guardião dos bens de todos nós, que o não encontraremos. Até pode fazê-lo, mas por acaso, sem ter bem esculpido na sua alma que essa função é, acima de todas, a sua obrigação profissional.

Um terceiro comentário, tem a ver com o facto de que nem tudo que é negativo o é completamente. Atendendo à qualidade social dos beneficiários deste assombroso desvio, o dinheiro assim irregularmente distribuído pelo Estado foi aplicado direitinho no consumo. E, como já aqui afirmei algumas vezes, consumo e produção são duas faces da mesma moeda. Isto é, o meio milhar de milhões de euros – temos que inventar uma palavra para os mil euros como tínhamos o conto de réis para os mil escudos, para evitar esta verborreia cansativa – pois, dizia, esse dinheiro foi injectado na actividade económica. E, possivelmente, em bens de primeira necessidade. Tendo-se evitado, com isso, que a taxa de desemprego subisse ainda mais. Sem aquele dinheiro todo desbaratado à tripa forra, somos capazes de ter garantido o emprego aí para meio milhar de portugueses. Mesmo descontando os ucranianos que terão beneficiado também do fenómeno. Mas, se assim foi, teremos feito muito melhor do que o Governo, que gastou muitíssimo mais e só conseguiu criar quarenta mil empregos em 2010. Diz ele. Numa afirmação que me colocou a rir perdidamente. Só me faltava mais esta! Que o meu Governo venha para a praça pública fazer afirmações que por nenhum meio podem ser confirmadas. Hoje foi esta, amanhã virá dizer-me que a nossa produção de vento, traduzida em quilovátios hora de energia eólica, foi de trezentos triliões de litros, com especial relevo para a zona do Oeste do continente. Salve-se a verdade geográfica.

Por tudo isto, parece que o regresso ao conceito de cidade-estado começa a ser uma urgência. Estamos fartos de ser governados por um Poder Central que, de tão longe que está dos cidadãos, nem cuida de uns e cuida desajustadamente de outros. Chega de calinadas. É imperioso que a construção do Poder seja de baixo para cima e não inversamente, como temos agora. E deve tal começar mesmo pelas finanças locais. Devem ser as autarquias a financiar o Estado e não o Estado a financiar as autarquias. O Poder Local também tem mostrado alguns defeitos. Mas há algo que os compensa largamente. A autarquia está perto de nós e os seus actos são muito mais facilmente escrutinados pelos cidadãos. Sei do atrevimento que é este discurso. Mas tenho para mim que me basta ter paciência e aguardar. Um dia, vamos lá chegar.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 21/1/2010

1 comentário:

JOSÉ MODESTO disse...

Concordo plenamente senão vejamos:
Imagine-se que no caso do BPN o mesmo "enterra" 10 milhões de euros por dia...
Mas alguém acredita que a Caixa G.Depósitos conta ser ressarcida na sua totalidade?

Eu pessoalmente não acredito em milagres...será que os há?
Que culpa tenho eu desta situação? será que já sou accionista da CGD e ninguém me disse nada?

Saudações Marítimas
José Modesto