Pesquisar neste blogue

28.1.10

CRÓNICA DA SEMANA

O SALÁRIO E O MEDO

É uma velha questão. Recorrente. Os políticos ganham pouco ou ganham demais? Uma questão com inúmeros ângulos de aproximação e cuja resposta não é fácil. Nunca seria fácil. Mas tornada muito mais difícil num momento em que grassa uma crise de emprego assustadora e muitos portugueses passam por dificuldades que não se imaginava pudessem voltar. Num momento em que escapar à demagogia fácil também é difícil. Num momento em que as emoções se sobrepõem às razões. Num momento em que anunciar que alguém ganhou ou vai ganhar mais tem o acolhimento da heresia.

Por isso é que estranhei imenso que Pedro Passos Coelho, o, até agora, único anunciado candidato a comandante das hostes social-democratas, tenha abordado a questão, na entrevista que deu, na passada semana, ao “Expresso”. Defendendo a redução do salário dos políticos de 5 a 10%. Fê-lo, aliás, de modo assaz simples, sem aduzir muitas razões. Apenas uma. A do ganho de autoridade moral face aos grandes sacrifícios que actualmente são pedidos às pessoas. Uma singeleza que foi como um desafio. Estamos face a um homem com visão de Estado ou estamos face a alguém que atira para a atmosfera umas “bocas”, cuja única motivação é a de caçar apoios em juízos simplistas e simplórios, muito ao estilo do que José Sócrates faz desde que apareceu na cena política? A ausência de outros argumentos justificava a perplexidade. Para a qual busquei encontrar resposta. A partir de uma outra pergunta. Se os políticos não desfrutam de autoridade moral, tal é devido ao “elevado” salário que auferem?

Quando olhamos pelo prisma do nível salarial português, não podemos afirmar que o salário dos políticos seja de tal modo elevado que isso provoque a perda de respeito por parte dos cidadãos. Afinal, os políticos administram, a diversos níveis, a incomensuravelmente maior “empresa” que há em Portugal e ganham muito menos que o quarto secretário-geral de um banco de investimentos pequenito. E este só perde o respeito de que desfruta quando o banco vai à falência e nisso faz desaparecer os depósitos. É verdade que existe um grande número de benefícios suplementares, que fazem com que a factura total de cada político seja muito maior do que a folha salarial indica. Mas, então, é nesses benefícios que deve mexer-se, como aliás recentemente tem vido a ser feito aqui e ali. Passos Coelho é lesto em socorrer-se do exemplo dos irlandeses para apoiar a sua proposta, mas esquece o exemplo dos ingleses, onde os benefícios suplementares para os deputados são quase nulos. Não. A falta de respeito, que os Portugueses nitidamente mostram perante os políticos, tem mais a ver com o comportamento destes e com o permanente desvio entre o que dizem e o que fazem. “Eles só prometem e, quando vão para lá, fazem o mesmo!” é o lugar mais comum neste domínio. Por aqui, o argumento de Passos Coelho cai inteiramente por terra.

Subjacente à proposta anunciada, há nela um outro argumento. É necessário reduzir a despesa do Estado. No entanto não deixa de afirmar que o efeito global (sobre a despesa) será meramente simbólico. E fica-se por aí. O que é uma pena. Porque ficou a um escasso passo de colocar o dedo na verdadeira ferida existente em Portugal, relativamente aos políticos. O problema que temos, em Portugal, não é um problema de preço dos políticos. É um problema de quantidade. Portugal tem algumas dezenas de milhar de governantes, autarcas, gestores de institutos públicos politicamente nomeados. É uma autêntica legião. Todos com remunerações episódicas. Muitos com remunerações regulares e recorrentes. E não se percebe para que é preciso tanta gente. A qual custa – perdoe-se-me o plebeísmo – uma pipa de massa. A que havemos de juntar, ainda, os custos com o pessoal político destacado para a Comunidade Europeia – a quem não pagamos directamente mas indirectamente, através das nossas contribuições. Uma decidida atitude de redução do pessoal político teria três efeitos verdadeiramente chocantes, no bom sentido:

- por um lado, reduziria, não tão simbolicamente, a despesa pública;
- por outro lado, traria consigo uma afirmação de justiça para com os funcionários públicos, que começam a estar ameaçados pela urgente necessidade de redução drástica do quadro respectivo;
- e, por fim, a proposta seria de molde a despertar o respeito dos cidadãos pela classe política, aumentando-o exponencialmente.

Essa, sim, é que seria a boa proposta que Pedro Passos Coelho poderia ter apresentado aos Portugueses. Aliás, na sua longa entrevista, ele não aborda sequer o problema do desemprego. E, francamente, como acham que se sente um desempregado – já são mais de meio milhão! – se vê tanta gente empregada para não fazer nada? No Portugal actual, as pessoas não estão a ganhar menos. O que há é muitas pessoas desempregadas, sem trabalho. E, bem vistas as coisas, o problema acaba por nem ser sequer de mais de meio milhão. É um problema de todos os que trabalham também, porque são eles que sustentam os que não trabalham. Algo em que Passos Coelho parece não ter pensado. Mas talvez se entenda. É que falar em reduzir o pessoal político é desagradar à massa de militantes que, afinal, conduz ao Poder. Um mau indício sobre Passos Coelho. O medo.

Há ainda uma outra razão para que a proposta de Passos Coelho não faça sentido. Uma das queixas mais frequentes, actualmente, contra o quadro político, é o da sua baixa qualidade. O fenómeno da expulsão da moeda boa do mercado, em favor da moeda má, não é uma imagem que se aplique, nem de perto nem de longe, apenas a Santana Lopes. É um fenómeno geral da actualidade política nacional. Ainda existem algumas moedas de ouro intocadas, mas não será por muito mais tempo. É, por isso, urgente que se faça um esforço muito grande para melhorar a qualidade média dos agentes políticos. E não é reduzindo-lhe o salário que é possível melhorá-la. Deveria ser mesmo ao contrário. Deveríamos melhorar a remuneração de muito menos políticos. O que, admito embora, talvez não fosse muito bem entendido pelos Portugueses. Mas que um político corajoso e com ampla visão do futuro apoiaria. Uma vez mais, o medo. O medo de perder. Ou a ânsia de ganhar, que é a outra face da mesma moeda.

Chegado a este ponto da minha reflexão, fiquei com uma ideia, imprecisa ainda. Acho que têm razão aqueles que afirmam ser Passos Coelho uma fotocópia, algo esborratada, de José Sócrates. E, sendo assim, melhor é que não passe a primeira barreira. Nós todos sabemos, por experiência adquirida com aquele último, que os que ultrapassam rapidamente as primeiras barreiras existentes entre eles e o Poder, são um desastre quando o ocupam. E deixo uma última sugestão a Passos Coelho. Se realmente quer mexer no salário dos políticos, então que crie um extenso leque de remunerações para pagar a cada qual segundo as suas qualificações. Tanto nos estudos académicos ou escolares como numa profissão na vida real. E, então, talvez consigamos alguma justiça relativa e consigamos criar motivos de atracção na carreira política para gente qualificada. Mas, isso, talvez ele não queira. Com medo, mais uma vez. De vir a ser mal remunerado.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 28/1/2010

1 comentário:

GP disse...

Assino por baixo.

Beijinho