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3.2.11

CRÓNICA DA SEMANA

JUSTA CAUSA

Nunca, na minha vida profissional, tive um salário em atraso ou fiquei sem recebê-lo. Algo porque me sinto um privilegiado, no meio das já muitas centenas de milhar de compatriotas meus a quem isso sucedeu. Não sei por experiência própria, mas imagino, o que sente um trabalhador que, depois de dar o seu trabalho mais ou menos esforçado, vai para casa, no último dia do mês, de bolsos vazios e sem saber quando receberá o produto desse trabalho. Deve ser uma sensação ainda pior do que se o tivesse recebido e lhe fosse roubado a caminho de casa. Mas uma vez houve, na qual senti o amargo de estar numa empresa que faliu. Não houve salários em atraso, consegui rapidamente outro emprego e não cheguei a estar desempregado. Mas posso dar testemunho do grande sofrimento que é vermos a empresa na qual trabalhamos a fechar as suas portas. Umas vezes com os responsáveis dando a cara para dizerem “não há mais trabalho para ninguém”, outras vezes sem mesmo terem esse resto de dignidade. É uma sensação terrível, nesse momento. De algum modo, é como se nos despejassem da nossa casa, da casa onde moramos e na qual abrigamos a família.

Talvez por isso é que, sendo pela flexibilização do mercado de trabalho, nunca considerei exagerada a indemnização paga a trabalhadores pela perda, sem justa causa, do seu posto de trabalho. E, enquanto economista, sempre vi as eventuais indemnizações a pagar, em caso de despedimento sem justa causa, como um custo potencial e implícito do trabalhador utilizado. Sei que a protecção dada hoje aos desempregados é muito maior do que naquele tempo, mas acho que não é o facto de haver o subsídio de desemprego que suaviza a dor de perder o trabalho e é pequeno lenitivo para a incerteza criada, relativamente ao futuro. Poder-se-á argumentar que o encerramento da empresa ou a redução do seu nível de actividade é uma dor e uma incerteza para o empresário. Mas há uma diferença fundamental entre as duas situações. É que a incerteza e o risco são, ainda eles, uma componente da função do empresário. E não existem – ou não deviam existir, pela própria natureza dos conceitos – para o trabalhador, sob pena de termos de admitir uma outra consequência (que nenhum empresário seguramente admite): o de que o prémio de risco – lucro – ter de ser dividido pelos dois.

Por tudo isto, é que me preocupam as actuais negociações em curso, tendo em vista reduzir as indemnizações a pagar aos trabalhadores a despedir sem justa causa. Pelo que fiz uma análise sumária dos argumentos utilizados e soluções preconizadas. Sempre no pressuposto de que estamos face a despedimento sem justa causa.

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MENORES INDEMNIZAÇÕES, MAIS EMPREGO

Um só ponto a favor. O pensamento de que o empresário, se não tiver suspensos sobre si custos exagerados de despedimento, emprega mais facilmente, Com franqueza, não me parece que seja argumento de peso. Até porque a indemnização, para ser assustadora, tem de ser devida após largo prazo de emprego, tão largo que, geralmente, não entra no cálculo do empresário. Melhor seria liberalizar os despedimentos. Isso sim, evitar as dores de cabeça que um ajustamento de pessoal acarreta é que seria uma medida com efeitos no emprego.

FUNDO PARA PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÕES

Apenas uma boa ideia. Com a enorme dificuldade de saber que financia tal fundo. O Estado? Nem pensar. É imperioso resistir à ideia de criar mais despesas para o Orçamento (isto é, para os impostos). Além de que o Estado já tem o encargo de financiar o desemprego subsequente ao despedimento. As empresas? Bom, isso é dividir pelo tempo, de um modo certo e irrecusável, um custo cuja realização é futura e incerta. Além de que reduz a competitividade instantânea das empresas. Os trabalhadores? Isso é fazerem um seguro do seu posto de trabalho e suportarem-lhe o prémio. Uma ideia que tem muito de cooperativismo. Que devia ser bem pensada pelos trabalhadores SE estivessem em condições de suportarem tal prémio. Mas – e isto é um facto que deve ser levado em conta quando se fazem comparações com o estrangeiro – os trabalhadores portugueses não ganham o suficiente para isso.

MAIS VELHO MENOS INDEMNIZAÇÃO

O absurdo mor das ideias vindas a público! Uma asneira de todo o tamanho! Tento encontrar uma justificação para o seu aparecimento e só encontro esta: o trabalhador mais velho está mais perto da reforma – e da consequente pensão – do que o mais jovem. Não percamos de vista que tanto a pensão como a indemnização acabam por ser ambas pagas pela economia. E que não deve haver sobreposição de pagamentos. O que está certo SE. Se o despedido estiver já suficientemente perto da idade de reforma. Então, talvez fosse melhor admitir a pré-reforma para um intervalo de, digamos, cinco anos entre a idade do despedimento e a idade da aposentação. Para os demais casos, será uma tremenda injustiça pagar mais aos mais jovens. Porque estes terão, pelo menos em potência, muito maiores possibilidades de conseguir um novo emprego depois de haverem sido despedidos e terem recebido a sua indemnização. Isto é, a medida preconizada devia ser precisamente ao contrário. Nem sequer quero admitir que quem teve esta ideia tinha presente o menor poder reivindicativo dos mais velhos.

PORTUGAL É POUCO FLEXÍVEL RELATIVAMENTE AOS DESPEDIMENTOS

Não se duvida da afirmação. Que tem de ser acompanhada por outro facto para uma perfeita perspectivação: os trabalhadores portugueses são dos mais mal pagos do mundo chamado desenvolvido. E, se queremos de facto trabalhar para um futuro melhor, é meu convencimento de que a medida suprema é a da liberalização dos despedimentos. Com indemnização justa. Um facto a que os sindicatos devem estar atentos e, porventura, colocarem em cima da mesa, com largueza de vistas.

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Temos, assim, vários interesses legítimos e necessários a conciliar. E tal requer muito bom senso. O voto que se pode fazer, nesta altura, é o de que esse bom senso não falte nem ao Governo, nem aos patrões, nem aos sindicatos, nem aos trabalhadores. Portugal precisa de medidas corajosas – porventura “revolucionárias” - para sair do buraco em que se meteu. Precisa desse bom senso como de pão para a boca. De todos. Pão e bom senso.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 3/2/2011

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