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10.2.11

CRÓNICA DA SEMANA

O PÓQUER E O XADREZ

Dois jogos. Dois modos de passar o tempo. Mas também dois modos de estar na vida. Ou jogando xadrez. Ou jogando póquer. Há diferenças substanciais entre um e outro jogo. Um, o xadrez, caracteriza-se pela ausência do factor sorte na definição do resultado final. Outro, o póquer, é essencialmente um jogo onde a sorte desempenha um papel crucial. Um tem a razão, a capacidade analítica, o cérebro, como ferramenta indispensável. Outro apenas pode usar a simulação – o bluff – como auxiliar da sorte. Num, o jogo é pacientemente tecido, jogada atrás jogada, após madura reflexão; raramente há jogadas instantâneas brilhantes. No outro, tudo é muito rápido, as decisões são intuitivas, quando muito tomando em conta o cálculo das probabilidades. Num, pretende-se conseguir resultados imediatos. Noutro pretende-se atingir resultados a longo prazo. Sendo que os resultados imediatos, porque cada partida dura o tempo de um pestanejar, logo se esvaem na jogada seguinte. E os resultados a prazo perduram, durando pelo menos o tempo de outra longa par tida. Não consta que, com o xadrez, alguém tenha ido à bancarrota. E são incontáveis as bancarrotas determinadas pelo outro. Com a derrota da estratégia usada, no xadrez, o rei perde o jogo e este termina. Com a derrota da estratégia usada, no póquer, normalmente se acentua a vontade do jogador de continuar, muitas vezes de derrota em derrota, até à morte final. No xadrez, os elementos do jogo, as peças, cooperam umas com as outras na busca da vitória. No póquer, os elementos do jogo, as cartas, apenas se juntam a esmo, esperando que um golpe da fortuna crie elos entre eles.

O governo dos países pode ser exercido segundo uma dessas duas alternativas. Ou se joga ou xadrez ou se arrisca o póquer. Tudo depende da personalidade dos jogadores. É bom de ver que o risco é imensamente maior com um governo que administre segundo as regras do póquer, relativamente a outro mais disposto a jogar o xadrez. E, tal como no jogo das cartas, também aqui o risco quase sempre se confirma. Um governo-póquer tende a conduzir os governados para a bancarrota. O sucesso de um governo-xadrez dependerá sempre das aptidões do jogador, isto é, do governante. Mas atente-se nas probabilidades. A probabilidade de se vencer um jogo de xadrez é de uma em três. Sendo que, entre a vitória e a derrota se situa o resultado mais provável do empate. Enquanto no xadrez é sempre de uma contra vários milhares. Logo, a derrota da governação tem sempre mais probabilidade de acontecer com um governo-póquer do que com um governo xadrez. Quando muito, pode apenas contrapor-se que, com um governo xadrez, se corre o risco de não ganhar, não se saindo da cepa torta.

Olhemos o nosso país, desde que a nossa vida se passou a orientar pelas regras democráticas. Quantos governos-póquer tivemos e quantos governos-xadrez nos governaram? Quantos decidiram realmente criar laços de cooperação entre as peças do jogo e quantos pretenderam apenas juntá-las momentaneamente e a monte, esperando que a sorte as ligasse? Quantos se recusaram a fazer jogadas de tudo ou nada? Quantos pretenderam mostrar resultados imediatos e quantos decidiram investir o seu tempo e os seus recursos na preparação de resultados seguros a prazo? Quantos trilharam pacientemente, movimento após movimento, o caminho para a vitória e quantos foram tirando do baralho cartas a esmo na esperança de que o conjunto fosse, a final, vencedor? Quantos tentaram tecer, como se tecido novo fosse, um sistema fiscal coerente e justo, em vez de jogarem cartas avulsas a produzir uma incompreensível manta de retalhos? Que são senão jogadas de póquer o atirar para a mesa as cartas dos aeroportos, dos têgêvês, de quejandos? Para já não falar no beste falsete que estampa a famigerada frase do “está tudo bem”.

Não vai tardar, vamos ter de fechar a sala de jogo para a reabrir outra vez. Ouvir-se-á muito em breve rien ne va plus! Para a reabrirmos de seguida. Como sempre, em cima da mesa, o baralho das cartas e o tabuleiro do xadrez. É que, por imperativo das regras, vamos ter de ser nós, outra vez, a dizer que jogo vamos jogar. Esperemos que, em cima da mesa esteja o tabuleiro. Porque podem sonegar-nos este, deixando apenas o baralho de cartas. O que, a acontecer, seria uma tragédia. Não faltarão também, entre a assistência, aqueles que tentam convencer-nos de que vale mais a emoção de uma partidita de póquer do que a sensatez reflectida de um jogo de xadrez. Temos de saber resistir e forçar o jogo que nos convém. Não sei é se o conseguiremos fazer. Para já só vejo jogadores bem-falantes. Será que nos recordaremos que foram sempre os bem-falantes que nos conduziram às partidas de póquer? Será que queremos arriscar uma vez mais nos bem-falantes? Ou será que surgirá alguém que, não sendo bem-falante, é capaz de chamar boi a um boi, desastre a um desastre, valete a um valete, peão a um peão, cavalo a um cavalo e, fazendo isso, tornar-se num rei de xadrez e não num rei de póquer?

Tenho defendido com vigor, desde há bastante tempo para cá, que aquilo de que os portugueses mais necessitam é de conhecer a verdade. Já fomos politicamente correctos durante muito tempo, sem nenhum resultado. Melhor, como resultados desastrosos. Está na altura de sermos politicamente incorrectos. Está na altura de exigirmos e de, em troca, recebermos a verdade e nada mais do que a verdade. Porque só a verdade nos pode salvar. No meu último livro, o personagem principal, recém-chegado à política, diz: “ a verdade acima de tudo”. Não quero acreditar que quem tem razão não é ele, mas o seu antagonista, que lhe responde: e estás seguro de que o povo quer conhecer a verdade?”. Por enquanto, ainda tenho a esperança de que o povo quer realmente isso.

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