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14.4.11

CRÓNICA DA SEMANA - II

SENSAÇÃO DE IRREALIDADE

Pouco a pouco, surgem factos reais a desmentirem aquilo que tanto se esforçam por nos fazer crer ser a mais pura realidade. Desta vez, foi o anúncio das previsões do FMI para o conjunto dos países europeus no ano de 2012. Sucintamente:

1.- A Irlanda, cuja solicitação de ajuda internacional ocorreu já no ano passado, terá crescimento económico positivo em 2012;
2.- A Grécia, cuja solicitação de ajuda internacional já aconteceu no ano passado, terá crescimento económico positivo em 2012;
3.- O único país europeu que continuará em recessão económica em 2012 será, precisamente, Portugal;
4.- O desemprego continuará, assim, a crescer em Portugal, em 2012, atingindo a cifra, jamais verificada anteriormente, de 12,4%.

Mas não nos fiquemos por aqui. E verifiquemos mais alguns factos:

1.- Com o auxílio do FMI, a taxa de juro que Portugal pagará pelos fundos de que necessita será mais ou menos metade daquilo que os mercados financeiros estão a exigir presentemente, e mais ou menos três quartos daquilo que estava a ser crescentemente exigido nas vésperas do que se convencionou chamar a crise política;
2.- Claro que o FMI vai exigir sacrifícios aos Portugueses para emprestar o dinheiro de que necessitamos; mas com FMI ou sem FMI, tais sacrifícios teriam de ser feitos; tal era o sentido, aliás, de todos os PEC’s que o Governo apresentou, incluindo o IV;
3.- Com crise ou sem crise, todos os indicadores – designadamente dois: a queda dos ratings da dívida soberana e das instituiçõers financeiras portuguesas, por um lado, e a vertiginosa subida das taxas de juro (repito: que já se verificava antes da crise política), por outro – apontavam para que, em breve não tivéssemos dinheiro para comprar sequer artigos de primeira necessidade, situação aliás muito semelhante à vivida em 1976/1977/1978;
4.- E teríamos, obviamente e nessa situação, que deixar de pagar o que devemos, o que seria uma vergonha; quem advogar o contrário, perdeu de vista que a verdadeira vergonha é a falta de vergonha;
5.- Devemos ter sempre presente que é ilegítimo que outros povos, outros países, sustentem os Portugueses; não somos nenhuns lordes; se queremos sobreviver, haveremos de trabalhar para isso;
6.- A solidariedade entre os povos e, muito particularmente, a solidariedade europeia, não é dizer “pois descansa, que eu trabalho para tu comeres”; ninguém que me leia sustentará o vizinho preguiçoso, a não ser por comiseração e, ainda assim, de modo limitado; a solidariedade internacional que é legítimo esperar e, eventualmente, exigir, é a ajuda em caso de dificuldades, é ajudar um outro povo a ajudar-se a si mesmo.

Tudo isto tido em conta, e sem cuidar de julgar, por agora, quem foi o culpado de sermos conduzido à situação de indigência – provavelmente, e numa perspectiva lata, fomos todos! – podemos concluir:

1.- O facto de termos tardado em acorrer à ajuda externa, vai-nos custar muito mais sacrifícios do que se houvéssemos decidido tal antes, muito antes, quando todos os indicadores e os mercados internacionais no-lo indicavam;
2.- Devemos isso à estúpida teimosia dos que recusaram tal recurso, quando toda a evidência, todos os conselhos internacionais, todos os indicadores, o aconselhavam;
3.- Porvavelmente. Pedro Passos Coelho prestou um grande serviço ao país e aos Portugueseses, ao dizer “não”; se houvesse dito “sim”, não conseguríamos parar a descida para o abismo, por força do convencimento – sabemos hoje que adequado, face aos montantes de que se fala como necessários para Portugal reequilibrar os seus pagamentos – dos mercados financeiros;
4.- Dada a evolução agora conhecida, deve ter havido uma crise internacional especial para Portugal, já que fomos os únicos a não encontrar, a tempo, uma solução;
5.- O pior cego é o que não quer ver.

Feito o ponto da situação, a que é que assistimos? Devo confessar que aquilo a que assisto me transmite uma sensação de estar a viver na irrealidade. Conto uma pequena história dos tempos da ditadura para melhor a exemplificar.

Uma grande empresa de Lisboa, com grande influência junto do Poder Central, queria implantar um grande projecto numa terreola da província, o que as autoridades desta recusavam pelos resultados perniciosos que anteviam para a localidade e porque lhe detectavam algumas ilegalidades. Todavia, forçados pelo Ministério de Lisboa, tais autoridades locais lá acabaram por dar a sua aprovação ao projecto, não sem apontarem, no despacho, as ilegalidades verificadas. Ora isso era inaceitável pelo Ministro e pela grande empresa; ficava escrito que se estavam a cometer ilegalidades. E o despacho foi devolvido para retirada da nota sobre as ilegalidades. O que, (que remédio!), as autoridades locais tiveram de fazer. Mas as ilegalidades mexiam com outras jurisdições, as quais, naturalmente, quando chegou a sua vez de perceberem o que se estava a passar, disseram que não podia ser porque havia ilegalidades. E, então, a grande empresa argumentou que o projecto lhe havia sido deferido sem qualquer ressalva e que não podia voltar atrás, agora, sem graves custos.

É uma história inaudita! Que fala bem de como as decisões eram produzidas naquele tempo. Mas que tem um paralelo inigualável com a atitude de José Sócrates, neste caso a fazer de grande empresa. É que esse senhor:

1.- Sempre nos disse que Portugal estava bem e se recomendava; chegou mesmo ao ponto de afirmar que tal se devia a ele e ao Governo, que haviam feito bem o trabalho de casa quando surgiu a crise internacional; Portugal estava muito doente quando ele disse isso;
2.- Sempre nos disse que ia fazer mundos e fundos, quando não tinha fundos e os mundos se voltavam contra o nosso crédito;
3.- Nos mentiu politicamente a torto e a direito a propósito de tudo e mais alguma coisa;
4.- E que, agora, colocados – ele e nós - perante o cenário cru da realidade, levanta o dedo, aponta para o fundo da sala e exclama: “não fui eu, “setôra”! Foi aquele menino lá ao fundo da sala!”.

Não sei o que pensam os meus compatriotas. Mas eu tenho uma vontade enorme de dizer “Nunca mais!”. Nunca mais pode ser possível sermos governados por propagandistas! Nunca mais podemos ser administrados por mentirosos! Nunca mais admitiremos que nos não digam a verdade, má ou boa! Nunca mais! E o meu comportamento tem de ser de tal modo duro que não fique dúvida em ninguém. E oxalá todos compreendam isto. Especialmente o PSD, que não pode ser mais do mesmo; especialmente o PS, que não pode persistir no que falhou (embora, aqui, os resultados do último congresso me tenham deixado decepcionado, excepção feita a Jaime Gama).

Se não soubermos fazer uma afirmação muito firme nas próximas eleições, então que Deus coloque o seu bondoso olhar sobre nós. Dizem que ele é particularmente protector das criancinhas sem entendimento.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 14/4/2011

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