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28.8.09

A CRÓNICA


UM PROGRAMA


Pode ser que eu esteja influenciado pela simpatia natural que nutro pela senhora. E, essa, é uma prevenção que deixo, desde já, ao meu Leitor. Mas há muitos anos que me habituei a ver em Manuela Ferreira Leite o protótipo do que eu gostava que fossem os políticos, De poucas falas. Dizendo sempre, quando fala, algo com substância. Sem ponta de demagogia a ornar-lhe as frases. Falando mais à razão do que às emoções. Tratando sempre dignamente quem dela discorda. Não deixando nunca de ouvir a opinião do próximo. Sem assomos de raiva ou desespero. Deixando, por tudo isso, a impressão de que se trata de alguém calmo, reflexivo, profissionalmente competente. Claro que nem sempre é essa a imagem que os órgãos da Comunicação Social trazem até nós. Mas nós já sabemos como funciona a Comunicação Social, sempre há procura do título que, estampado na primeira página, leva o cidadão comum a comprar o jornal. Um exemplo. A inclusão de suspeitos de irregularidades nas listas do PSD, que ela dirige. A despertar um clamor de censura, quer dentro quer fora do Partido. De dentro do Partido, sabemos o que acontece. Para estarem lá aqueles, há outros que ficam de fora. E nem estes nem os seus apaniguados levam isso a bem. De fora do Partido, melhor fora que estivessem calados. O PSD deu, ao tempo do Dr. Marques Mendes, uma lição ao país. Que só o prejudicou, ademais por ter sido uma atitude ética que não encontrou eco em mais nenhum partido. Podemos não estar de acordo com a Dra. Manuela Ferreira Leite – eu próprio não o estou, por uma questão de princípios. Mas não lhe podemos negar a fria coerência. Justiça é Justiça, conhaque é conhaque. Que é como quem diz, Política é Política. A Justiça que condene. Os deputados que aprovem a Lei, a impedir arguidos de se candidatarem. A ela cumpria-lhe aprovar as listas de candidatos a deputados. Apenas com isso se preocupou. No seu pensamento esteve, seguramente, a ideia de que ela não era Deus. A última coisa que penso da Dra. Manuela Ferreira Leite é que ela seja uma pessoa de andar a pagar favores a amigos políticos. Se fosse pessoa de andar a pagar favores a amigos, passava o tempo a tentar arranjar novos amigos. Ora, precisamente a elaboração das listas também mostrou que ela não está minimamente preocupada em ter amigos, mesmo dentro do seu Partido.

Tendo isto em conta, vamos ao que aqui me traz. O Programa de Governo. Tema que fez as delícias verborreicas do Partido Socialista neste tempo de férias, durante o qual dificilmente encontraríamos alguém com a pachorra suficiente para, na praia, entre um gelado e uma bolacha americana, estar a dar atenção àquilo que a Dra. Manuel Ferreira Leite pensa fazer se for Governo a partir de Janeiro. Que ela não o apresentava porque não tinha ideias. Porque não se pode fazer outra coisa diferente daquilo que os socialistas fazem. Porque aquilo que ela eventualmente apresentasse deixaria a nu a confrangedora falta de capacidade dos social-democratas para governar o país. Um despautério, qualquer uma das razões. E não é necessário aduzir muitas razões. Bastam duas.

A primeira é um olhar para trás. Sá Carneiro. Cavaco Silva. Mesmo Durão Barroso. Quem, de entre os socialistas foi tão eficaz em colocar Portugal nos eixos? Sempre que o PSD foi o principal responsável pela governação, o país desenvolveu-se, cresceu, o bem-estar social aumentou. Sim. Mesmo no caso do último daqueles líderes – a quem se pode apontar, essencialmente, o erro de ter abandonado Portugal para ir para a Europa. Não esqueçamos que ele foi o primeiro a gritar na praça pública: “Portugal está de tanga!”. Perante o hipócrita sentimento de escândalo daqueles que, menos de dois anos depois, encomendam ao Banco de Portugal a função de dizer o mesmo, para poderem reinar à vontade. Se tivermos em conta aquilo que foi o passado, creio não ser possível subsistirem dúvidas em ninguém de que um Governo do PSD é sempre melhor do que um governo socialista. O caso de Santana Lopes não conta. Ele ficou praticamente imobilizado pelas circunstâncias políticas do seu tempo.

A segunda razão é ainda mais substancial. É que, num pequeno artigo de opinião publicado este último fim-de-semana no “Expresso”, a Dra. Manuela Ferreira Leite deixou escrito aquilo que eu julgo ser um dos melhores programas de Governo que me foi dado ver até agora. Em primeiro lugar, pela clara visão da situação actual. Diz ela ali:

“Esta crise é diferente das outras – mais complexa, mais ampla e mais profunda. É… uma crise estrutural, interna, mais complexa porque nos atinge num momento em que os benefícios da integração europeia já não bastam. É mais ampla porque agravada pela conjuntura internacional grave. E é mais profunda porque é também uma crise social, uma crise de credibilidade política e de confiança na Justiça. É uma crise que encontra o país sem serenidade e com grande crispação…”.

Sem flores nem ademanes, claramente, sem recurso a estatísticas que, analisadas superficialmente, apenas contam mentiras, sem demagogia e sem atirar culpas a quem quer que seja, Manuel Ferreira Leite identifica as raízes dos nossos males. Age como o médico que, no seio da densa floresta de sintomas de um país em turbilhão, consegue identificar as pragas que o corroem. Mais de meio caminho andado para prescrever os remédios acertados. E não hesita em passar a receita:

“O país precisa, além de alterar a sua política económica, de se apaziguar e de voltar a acreditar que só a força mobilizadora de todos o pode tirar do declínio em que se encontra. (…) Por isso, a situação não se resolve apenas com debate político, mas com a avaliação consciente e responsável da situação, a única forma que permite um compromisso com as soluções de que o nosso país precisa.”.

Assim mesmo. Um grande programa. Ambicioso, como todos os programas devem ser. Onde o autor não se arroga a natureza de agente salvador, antes invoca a participação de todos. Um programa onde não se vislumbra um mínimo toque de autocracia, de disponibilidade de super-poderes, de omnisciência garantida, de miraculosa detenção de capacidades que só aparecem uma vez em cada geração (ou mais do que uma). Um programa que é mais um ajuizado apelo de que um autoritário comando.

Convenceu-me, Doutora. Claro que conta com a minha predisposição para acreditar mais no político de poucas falas do que no tagarela permanente. Para acreditar mais naquele
que expõe as suas razões tranquilamente do que naquele que se refugia atrás do aparentemente modesto “Deixe-me dizer-lhe que”, como se precisasse da autorização de alguém para os esfarrapados argumentos que usa, desmentidos pela realidade palpável. Naquele que apela à minha inteligência do que naquele que, sub-repticiamente, procura controlar-ma, através da expressão imprópria, desajustada, subliminar, do “Está a ver”. Convenceu-me, Doutora. Quem nunca me mentiu, provavelmente jamais me mentirá. E eu quero, acima de tudo, não ser enganado permanentemente.

Crónica de Magalhães Pinto, publicada em VIDA ECONÓMICA, em 27/8/2009

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