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11.8.09

UM CAFÉ NO ALGARVE


UM CAFÉ NO ALGARVE

Não é preciso ter um curso superior para tirar um café. Então se ele é expresso, nem a primeira classe é necessária. As máquinas fazem tudo. Doseiam o pó. Medem a água. Fazem-na ferver. Acertam na boca da chávena. E até guardam na bebida o aroma do fruto. Apesar de ininteligentes, as máquinas fazem quase tudo. Só pedem aos humanos um pouco de ajuda. Por exemplo, para dosear o pó, oferecem a estes uma pequena alavanca. Basta correr esta pela distância permitida pela máquina e a dose sai perfeita. Claro que há cafés de muita qualidade. Ou, pelo menos, de muitos nomes. O expresso já citado. O cimbalino. O curto. O comprido. Nunca ouvi, mas se há curto e comprido também haverá o médio. A americana. O pingado. O carioca. O duplo. O pingo, o cortado e o garoto, aqui já adulterados pela mistura do leite. O capuccino. O solúvel. E podíamos continuar por aí fora. Mas, qualquer que seja o nome ou a variedade, não modifica o modo de preparação. Ou melhor. Não modificava. Porque eu aprendi, à custa de ver, que há outro modo de preparar um café. Neste último mês. Do qual, por razões profissionais, decidi fazer o meu mês de férias este ano. No Algarve. Que as duas crises em curso me aconselharam a utilizar. Sim. Duas crises. A da gripe e a da carteira. Pelo sim pelo não, o melhor era ir para fora cá dentro, como aconselham as nossas autoridades. Juntamos, assim, o Governo e eu, os nossos objectivos. Melhor estatística para eles e mais probabilidades de sobrevivência num meio hostil para mim. Cada um busca o que gosta. Ou precisa.

Mas eu estava a falar do café novo. A escola foi a Praia da Falésia em Vilamoura. A qual, aliás, falava das crises também. Embora sendo Julho, a frequência não era grande. E estava quase toda a gente debaixo de guarda-sóis privados, mandando às malvas os toldos do concessionário, tristemente desertos. Também não admira. O concessionário deve estar a pensar que o que arrenda, na praia, são tê-zeros da Praça do Areeiro. Pelo preço, acho que o luxo até será maior na praia. Claro que pode acontecer que tudo isto tudo seja consequência do aquecimento global. A sombra estará cada vez mais cara. No Falésia até já está. Sombra para si e para o seu carro custa-lhe mais ou menos quinze euros por dia. Isto, se arrendar à semana. Porque se o fizer diariamente, o preço sofre um agravamento para aí de 50%. Não sei se, na Praça do Areeiro, o arrendamento de um T0 custará quatrocentos e cinquenta euros por mês. Sobretudo, se pensarmos que este da Praia da Falésia tem a casa de banho a uns bons cem metros do quarto principal; e a sala de jantar – se não for só para comer bolacha americana ou bola de Berlim – está à mesma distância. Por falar em bola de Berlim, a ASAE é levada nas calmas. Não quer bolas de Berlim com creme nas praias. E eu também não acredito nelas. Mas que as há, há. E não há nada como comer uma bola de Berlim e, depois, ir lá acima beber um dos tais cafés.

O meu Leitor desculpe-me. Eu vim aqui para falar de um café no Algarve e, até agora, ainda não cheguei lá. Mas vou chegar. Apenas lhe estou a dar um pouco da cor local. Uma cor que, mais dia, menos dia, acabará com o turismo para aquelas bandas. É que não é só uma questão de preço. É fundamentalmente uma questão da relação preço/qualidade. Value for money, para usar uma expressão apropriada à meia dúzia de ingleses que andavam por ali. A gente até nem se importa de esportular uns carcanhóis significativos se ficar com a sensação de que é a pessoa mais importante do mundo. E, quando lemos a publicidade, eles dizem que somos. Mas é só publicidade. Acho quer esta é a influência mais nefasta do actual Primeiro-Ministro na nossa vida colectiva. Subitamente, toda a gente desata a dizer: “Você é a pessoa mais importante do mundo para mim! E eu, como sou bom, vou fazê-lo ainda mais importante!”. E, depois, vamos a ver e somos tratados abaixo de cão. Também é assim na Praia da Falésia. Em tudo. Mas, especialmente, no que toca ao café.

Um café deve ser “no solo agua”, como o meu bom Leitor sabe. Se for “solo agua”, você prefere beber uma cervejola. Por exemplo, destas mini que há agora e que têm a medida exacta de cerveja para nos deixar ficar a desejar outra. Sucessos de um bom marketing. Mas a verdade é que fui beber um café a um daqueles bares da praia e corri o risco de beber “solo agua”. A um preço inaudito. Nem o petróleo nos seus tempos mais doirados – para os produtores – ou mais insuportáveis – para nós consumidores – custa tanto. Imagine o meu Leitor. Vou reproduzir-lhe o sucedido para que possa bem imaginar esta “pérola” de classe no turismo algarvio e, mais apropriadamente, no turismo vilamourisco. A chávena do café já é pequenina. Ainda por cima, vem menos de meia. O servidor tem que fazer alguns gestos. Um café expresso tira-se em menos de um minuto. Basicamente, ele tem que desenroscar da máquina o continente do pó, sacudir a borra que ficou do último café, ir com ele ao moinho do café, colocá-lo por debaixo da boca de saída, puxar a alavanca que solta três gramas de pó para dentro do continente, levar este até à máquina expresso, enroscá-lo na máquina, colocar a chávena por debaixo da boca pingadeira, carregar num botão para curto ou longo, deixar escorrer o precioso líquido, colocar a chávena no pires, juntar-lhe o açúcar (se Você é magro) ou o adoçante (se Você é gordo), juntar-lhe um pauzinho (já lá vai o tempo em que era uma colher) e colocar o café à sua frente. Temos de convir que pagar um euro por tudo isto até nem seria caro. Desde, obviamente, que o que lhe servissem fosse a ambicionada bebida. Mas se o servidor, ao sacudir a borra do café anterior, deixa ficar metade dela no continente; tem a perfeita noção disso porque, ao correr a alavanca que solta o pó, só anda metade da distância que devia andar; e faz o resto a partir daí, o que o meu Amigo vai receber para beber é uma água choca, acastanhada, que não tem sabor nem perfume, então um euro é roubar, caramba! A ponto de o deixar indignado. Especialmente se depois nota que o processo é reiterado, deixando dúvidas se não haverá instruções escritas sobre a matéria.

Recusei aquele café algarvio, naturalmente. Eu não fora ali pedir uma esmola. Mas, mesmo não o bebendo, ficou-me entalado na garganta. Uma entaladela que se veria agravada daí a nada. É que, menos de vinte e quatro horas depois, estava a ouvir o Secretário-Geral do Partido Socialista a anunciar o novo programa do governo. Não sei bem porquê, estabeleci uma identidade quase matemática entre o café e o programa. Tal como naquele, o programa assentava nas borras do programa anterior, só levava grama e meio de aromática semente devidamente moída e era servido como se fosse uma esmola. Que raio! Será que não há diferença entre um servidor de café na barraca da praia e o Primeiro-Ministro de um país velhinho de morrer? Será que a única coisa que os distingue é a barraca?

Crónica de Magalhães Pinto, publicada na VIDA ECONÓMICA, em 30/7/2009

1 comentário:

Vítor Maganinho disse...

Meu caro Dr. Magalhães Pinto

Como sempre, admiro o seu poder de análise, mas o meu amigo (perdoe-me chamar-lhe assim porque nem nos conhecemos) já tomou um café na marginal de Matosinhos????

Custa mais do que no AllGARVE, o seviço é pior e isto só acontece porque não há concorrência, é tudo do mesmo e neste caso muito ligado à CMM.

A última vez que lá tomei café como incauto, paguei 1,20 ou 1,30€, nem interessa grande coisa os 10 cêntimos pra lá ou pra cá. Sei que é mais caro que na Foz e muito mais caro que em Vila do Conde, Póvoa, Gaia, Espinho, ETC.

É um roubo, só possível porque em Matosinhos em toda a marginal há 3 bares, mas se formos a Leça o problema é o mesmo e no resto da costa matosinhense é pior ainda. Matosinhos é uma bodega em bicos de pés, armados em novos ricos que não somos.

Viva o PS de Guilherme Pinto ou o de Narciso Miranda, venha o Diabo e descubra as diferenças. Parece que o Dr. As conseguiu descobrir, eu esforço-me, mas a única que encontro é que com Narciso subia quem estava com ele e os outros ficavam para trás. Com Guilherme Pinto, não há quem não esteja com ele porque a esses, ele põe-nos numa sala sentados a uma secretária sem uma folha de papel e uma caneta sequer para fazer uma paciência e deixa-os ali a totalidade do horário de trabalho sem poderem sequer fazer um desenho para se entreter.

Sempre o admirei muito, mas ver o Dr. a apoiar GP, dói-me fundo, bem fundo e faz-me perder mais um pouco a esperança nas poucas figuras de Matosinhos em que eu ainda acreditava.

Abraço, e não se preocupe porque incha, desincha e passa...