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10.8.09

OS BENEFÍCIOS DA CRISE


OS BENEFÍCIOS DA CRISE

Temos vivido, de há um ano a esta parte, sob o signo da crise. Convenientemente tornada internacional, como se a crise que nós, portugueses, vivemos não fosse ela nacional dos pés à cabeça. Esquecem-se, aqueles que da crise fazem a culpada de todos os males que vieram à superfície, que se ufanaram da vã glória pessoal sem, por um momento sequer, terem sentido que estavam a beneficiar de uma conjuntura internacional extremamente favorável.

Se há uma expressão que retrata bem o acerto do que estou a dizer, ela será aquela que o Primeiro-Ministro repetiu até à exaustão: “ Nós fizemos o trabalho de casa!”. Queria ele dizer, nesse tempo de vacas gordas, que o mérito lhe pertencia e ao seu governo. Agora, que os ventos não são de feição, ele não recusa totalmente esse mérito e torna-se com esta: “Se não tivéssemos feito o trabalho de casa, seria agora muito pior.”. Quando era miúdo, havia uma resposta adequada para este argumento. Era, mais ou menos, assim: “Pois! E se a minha avó tivesse rodas, era uma bicicleta.”. O absurdo e a falácia de mãos dadas. Ninguém pode saber o quanto e o quê nos evita o “trabalho de casa” do Primeiro-Ministro.

Mas nem só malefícios têm advindo desta crise bem portuguesa. Considero, aliás, que tudo bem pesado, serão mais os benefícios dos que os malefícios. Estou a pensar em que foi a crise que desmascarou muitos malfeitores que por aí andavam e destapou muitas situações encobertas que, pelo menos, roçavam a ilegalidade e, sem sombra de dúvida, correspondiam a negociatas de grupos de “amigos” ou a decisões de gestão do mais canhestro que se pode imaginar. Não fora a crise e:

- A Administração do Millennium/BCP continuaria a esconder as patranhas com que enganou os seus pequenos accionistas;
- Oliveira e Costa estaria ainda a tentar negociar o “seu” banco, enquanto ia exaurindo os cofres do dinheiro que os clientes de boa fé lhe confiaram;
- João Rendeiro estaria ainda a passar para carteiras privadas dos seus clientes investimentos ruinosos que a sua incompetência decidiu fazer;
- Dias Loureiro andaria, ainda, por aí, a alardear a sua Excelência, a falir empresas, a fazer figura de Harry Potter, magicamente inventando negócios chorudos de burrinhos na água, logo esquecidos ao virar da esquina, passando um recibo de honorários chorudos ao fim do mês;
- E uma legião mais da “família”, quase todos oriundos da política, os quais, se tivermos em conta o significado dos prefixos IN (para dentro) e EX (para fora), merecem ser todos tratados por Vossas Incelências, uma vez que têm passado estes anos todos a coçar para dentro.

O meu pai, já falecido, costumava dizer, na sua sabedoria popular transmontana, que ser Ministro era uma estopada, o que era bom era ser ex-ministro. Agradeço à crise ter-me feito perceber, numa extensão que eu julgaria inimaginável ainda há pouco, o sentido das palavras do meu pai. E se alguém pensa que estas histórias terminam com esta geração agora descoberta, desiludam-se. Esperem só para ver. A começar por essa figura socialista ímpar que é Jorge Coelho. Aliás, já andam à cata dos “negócios” que ele conseguiu para a “sua” empresa. Isto é, para a empresa que ele o administra e que bem pode pagar-lhe o salário em diamantes.

Os casos de que vimos a tomar conhecimento, mais os que saberemos no futuro, mostram a camisa de onze varas em que estamos metidos. Parece não haver alternativa. Ou temos um Salazar qualquer, ditador naturalmente, mas visceralmente honesto. Ou temos a democracia com o país entregue à voracidade de malfeitores. E não se diga que a culpa é só dos que andam nas bocas do mundo. Para mim, tão culpados são esses como os que, na Assembleia da República, se recusam a subscrever leis duras anti-corrupção. Um dos factos mais relevantes da legislatura que ora termina (embora não se lhe tenha atribuído, na opinião pública, o relevo merecido) foi o afastamento do deputado socialista João Cravinho, promovendo-o para a Europa, só por ele ter tido a ousadia de apresentar no Parlamento uma vigorosa Lei Anti-Corrupção. Lei, essa, que os restantes deputados, depois, distorceram até ficar em quase nada. Estamos fritos. Porque quem faz a Lei não mostra interesse nenhum em punir aqueles que se servem do Poder em vez de servir o Poder. Mais de duas centenas de deputados se calaram quando a maioria socialista – que podia, sozinha, aprovar a Lei - fez em fanicos a Lei João Cravinho. Que saibam - agora que os resultados do laxismo democrático face à corrupção estão esparramados, aí à nossa frente - que nenhum deles, NENHUM, merece o nosso voto.

Porque estamos metidos na dita camisa de onze varas é que é necessário fazer uma profunda reflexão antes das próximas eleições. O cidadão tem que pensar se vale a pena ser roubado desta maneira escandalosa só para ter a oportunidade de se manifestar em voz alta. O cidadão tem que pensar se pode confiar o governo do país a nulidades que ganham mais milhares de euros num mês que muita gente competente, que por aí anda, ganha num ano. Isto para só falar nos salários às escâncaras e sem chegar aos benefícios por fora que esses senhores conseguem. O cidadão tem que pensar para que é que está a sustentar aquele montão de gente que se supõe estar na Assembleia da República (e que muitas vezes não está lá), se essa gente pensa mais no seu governo do que no nosso governo. O cidadão tem que pensar que a única defesa que tem contra as varas da camisa é o seu voto e que tem que usá-lo com o máximo de sapiência. O cidadão tem que pensar que umas eleições não são um gesto de folclore, mas são a afirmação ou a negação do seu acordo com o status quo vigente. Está na hora de gritarmos o que nos vai na alma. Através do uso do nosso voto.

Costuma haver, em todas as eleições, uma assembleia de voto ou outra onde ninguém vota, geralmente como protesto contra algo com que não está de acordo. E se generalizássemos o gesto? Se Portugal fosse uma imensa assembleia de voto onde os cidadãos se recusassem a votar por não estarem de acordo com este estado de coisas? Reduzindo ao absurdo, se ninguém votasse, não havia assembleia da república, não havia governo. O que, se pensarmos que a assembleia da república e o governo continuarão entregues a gente do jaez que a crise nos fez ver, talvez fosse benéfico para o país. Claro que isto é um absurdo. Mas que tal se fizermos saber que estamos na disposição de entregar o nosso voto apenas a quem tenha por objectivo essencial sanear a situação portuguesa e punir exemplarmente quem se aproveita do Poder, julgado que seja em processos escorreitos e céleres? Há por aí algum político disposto a cortar radicalmente com a tradição? Ou vamos ter que esperar pela próxima crise para termos o benefício de conhecer quem nos andou a roubar durante mais uns anos?

Crónica de Magalhães Pinto, publicada na VIDA ECONÓMICA de 22/7/2009

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