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1.10.09

CRÓNICA DA SEMANA - II

TEMPOS DIFÍCEIS

Os que aí vêm. Vale a pena recordar o passado recente, para perspectivar o futuro mais ou menos imediato. A coisa passou-se como a seguir descrevo.

Desde há muitos tempo que o Estado Português tem um défice crónico nas contas do Estado. Aliás, ter défice nas contas do Estado não é, em si mesmo, um mal por aí além. Quase todos os países o têm. Tudo depende da dimensão. No entanto, a adesão à moeda única europeia, criou-nos a obrigação de não deixar que o défice nas contas públicas ultrapassasse, numa primeira fase, os 3% do PIB (Produto Interno Bruto). Mas a verdade é que, desde que a obrigação foi criada, Portugal não conseguiu, até ao final de 2004, atingir essa meta. Chegou mesmo a receber ameaças de multas, aplicadas por parte da União Europeia, por esse facto. E os sucessivos Ministros das Finanças – entre eles a Dra. Manuela Ferreira Leite – foram deitando mão de artifícios contabilísticos, para que, formalmente, as contas do nosso Estado apresentadas à União Europeia não mostrassem défice superior ao estabelecido nas normas. Até que chegámos ao Governo José Sócrates e do Partido Socialista.

Todos nos recordamos que a primeira medida decretada pelo novo Primeiro-Ministro, logo que tomou posse, foi pedir ao Banco de Portugal uma auditoria das Contas do Estado, para que bem se conhecesse a realidade do défice português. E também nos recordamos das conclusões. Não sei se vou errar o número, ao citar de memória, mas penso que o resultado apurado foi de 5,6% do PIB, ao contrário dos cerca de 3% mostrado a Bruxelas pelo Governo de Durão Barroso. Tal facto – provavelmente verdadeiro, apesar de realizado por uma entidade que estava (e está) sob o domínio de um correligionário do Primeiro-Ministro (Vítor Constâncio) - proporcionou a José Sócrates a oportunidade para, com menor contestação social, levar os impostos que sobrecarregam os Portugueses para níveis nunca antes atingidos. Foi o “apertar do cinto” que permitiria aos Portugueses reequilibrar as suas contas nacionais. E, deve reconhecer-se, teve algum sucesso nisso. Embora a tónica tivesse sido colocada mais no aumento da receita do Estado do que na sua despesa, o que era, naturalmente, o caminho mais fácil. Os planos do Primeiro-Ministro incluíam o “desapertar” do cinto neste último ano eleitoral. Porém, o ciclo económico, com uma crise internacional monumental - para a qual não estávamos preparados – trocou-lhe as voltas e o Governo foi obrigado, para minimizar o risco de perder as eleições, a deixar alargar o défice novamente.

É indiscutível que tal atitude teve consequências sociais apreciáveis, reduzindo o sofrimento causado pelo abatimento da crise sobre a arquitectura que havia sido cuidadosamente planeada. Eu próprio tive ocasião de dizer aqui, quando a crise surgiu, que podíamos estar descansados no futuro imediato porque, em 2009, não ia faltar dinheiro. Era ano eleitoral. Mas não se consegue enganar para sempre a Economia. Os tempos que aí vêm serão ainda mais difíceis.

Esta semana, o Dr. Bagão Félix, um dos melhores ministros do último Governo PSD, fez umas contas esclarecedoras, num exercício para calcular a que nível se encontrará o défice orçamental do Estado neste momento. Em contas que me pareceram bem feitas, foi calculado um défice actual da ordem dos 10% do PIB. Isto é, quase o dobro do défice auditado de 2004. Défice este, o de 2004, que exigiu e justificou o fortíssimo apertão de cinto que os Portugueses conheceram. Relativamente à Europa, não haverá grande problema. Uma vez que muitos Estados tiveram que deixar crescer o défice para fazerem face à crise económica que ainda grassa, não se acredita que a Comissão Europeia puna todos aqueles que se afastarem da meta fixada. Mas já o mesmo não se pode dizer no plano interno. Torna-se necessário recuperar este défice e fazê-lo baixar rapidamente. O que, sendo fácil para economias desenvolvidas, é extremamente difícil para Portugal. A estrutura do nosso défice é substancialmente diferente do daqueles países. Assenta predominantemente nas excessivas despesas correntes do Estado Português. As quais é muito difícil reduzir. E, por outro lado, não se pode deixar continuar o défice em níveis tão elevados devido ao endividamento do Estado a que daria origem. A prazo, mesmo, seria a falência do Estado.

Temos, assim, à nossa frente, tempos muito difíceis. Não sei mesmo se não seria bom que José Sócrates voltasse a pedir ao Banco de Portugal uma auditoria sobre o défice orçamental, como meio para justificar algo que ele, das duas uma, tem que fazer:

- ou justifica o optimismo todo que colocou na sua campanha e conduz o Estado à falência;

- ou combate realmente o défice com a subida de impostos e vamos ter grande perturbação social, maior do que a verificada no passado recente.

E tem que fazer isto com a sua capacidade reduzida, relativamente ao mandato anterior, por não dispor de maioria absoluta no Parlamento. Aceitando que não será inconsciente bastante para optar pela primeira alternativa, vai ter, necessariamente, que se colar à direita. Porque não vejo a esquerda a alinhar na subida generalizada dos impostos, a não ser que sejam os da banca ou das petrolíferas. Não sei mesmo se não seria já o momento para um Governo de salvação nacional. O qual pode muito bem vir a ter que existir num futuro próximo.

Não há muitos impostos para subir. Atendendo a que os efeitos de uma subida do IRS são relativamente reduzidos, teremos o IRC, o IVA, o IMI e o Imposto sobre Produtos Petrolíferos. Os mesmos de sempre. Porventura, chegar-se-á à subida do Imposto sobre Rendimentos de Capitais. E assistiremos, muito provavelmente, ao aparecimento de novos impostos. Basta olhar para o quadro enunciado para vermos como a alternativa descrita é dramática. Porque qualquer subida na maioria dos Impostos anunciados vai em sentido contrário daquilo que a crise económica e o estado de estagnação em que a nossa economia está exigiriam. Tempos muito difíceis nos esperam. Os quais, quando se tornarem visíveis, vão partir todos os acordos possíveis. Têm alguma razão aqueles que disseram que os resultados das últimas eleições tornaram Portugal ingovernável. No sentido em que ele deve ser governado, sim. E, em menos de dois anos, estaremos provavelmente a ir às urnas outra vez.

Num quadro tal, seria excelente que tivéssemos o referencial da Presidência da República intocado e intocável. O que, para acrescentar o dramatismo da situação, não acontece. No momento em que escrevo, ainda não sei que justificações vai dar o Senhor Presidente da República para o comportamento da Presidência, relativamente ao caso da vigilância, que afectou terrivelmente a campanha – e, por isso, os resultados – das últimas eleições. Mas, salvo alguma explicação mirabolante que se não vislumbra, toda e qualquer justificação – se é que vai justificar alguma coisa – que o Senhor Presidente vai dar aos Portugueses – “é verdade”, “foi mentira”, “foi independência”, “foi prudência” – não apagará este simples facto: o comportamento da Presidência da República, por acção ou omissão, afundou num pântano o PSD e a sua líder Dra. Manuela Ferreira Leite. O que, naturalmente, dá origem a feridas insanáveis. Mais um factor para agravar os tempos difíceis que nos esperam.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 1/10/2009

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