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6.10.09

MEMÓRIA

O CADÁVER


Conhecemos já os castigos recomendados pela Comissão de Inquérito do PS aos acontecimentos da lota de Matosinhos, apontados como causa próxima da morte de um homem bom, o Dr. Sousa Franco. Segundo ela, nem Narciso nem Seabra devem poder contar com o apoio do PS nas próximas autárquicas. E o facto merece-me três comentários.

O primeiro é para a Comissão de Inquérito. Devia ter informado a opinião pública dos factos sobre os quais se baseava para recomendar os castigos. Não o fazendo, a sentença aparece desgarrada, injustificada, dando aso a que, à boca pequena, se diga tratar-se de negócio cozinhado por influências. Para que essa vergonha não fique a pairar no ar e porque Matosinhos sempre foi socialista, os matosinhenses têm direito a conhecer toda a verdade. Sobretudo a verdade dos factos. E não uma sentença cujas culpas se não conhecem.

O meu segundo comentário tem a ver com a postura de Narciso Miranda. O qual, no final da reunião que ditou o veredicto, se mostrou felicíssimo. Não sei porquê. Creio que ele não entendeu o que se julgava nesse veredicto. Era nada menos do que a morte prematura de um homem. Fosse de quem fosse a culpa, o simples facto de estar envolvido nos acontecimentos - e não como vítima - deveria fazê-lo ter o recato e a pena que a tragédia exigia. Não foi assim. Um lamentável certificado de "bons" sentimentos. Assim como parece não ter entendido outra coisa. É que pode dizer o que quiser, pode candidatar-se ou não depois das previsíveis orquestrações de apoio popular, pode ser eleito ou não; mas isso não impedirá que tenha que carregar sobre os ombros o cadáver de um homem bom, prematuramente morto por acontecimentos nos quais esteve envolvido.

O meu terceiro comentário é para o Dr. Manuel Seabra. O qual, gritando a sua inocência, afirmou ser um militante disciplinado e acatar as decisões do seu partido. Não entendo. E não entendo porque, quando um homem está inocente, não há disciplina no mundo que deva impedi-lo de exigir a sua inocência. Se ele não é culpado - como eu, essencialmente por instinto, acredito - só tem uma coisa a fazer: ir até aos confins do mundo para provar a sua inocência. Se o não fizer, apenas conseguirá ser um ajudante de Narciso no carregamento fúnebre vitalício. E, quando muito advogado, função a que publicamente o condenou o "outro", no auge da guerra que lhe moveu.

No meio de tudo isto estão os matosinhenses. Aos quais cumpre uma profunda meditação sobre que qualidades requerem de quem conduz os destinos do seu município. É que, se quem conduz o faz em nosso nome, também podemos ter que carregar o cadáver sobre os nossos ombros. A não ser que, pelas nossas escolhas, o recusemos.

Magalhães Pinto, em MATOSINHOS HOJE, 15/9/2004

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