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28.3.08

OS HERÓIS E O MEDO - 216º. fascículo

(continuação)

Mais um semi-herói. Com provável direito à Cruz de Guerra no próximo Dia da Raça. Uma mão trocada por um pedaço de metal. Deixas uma mão, toma lá medalha. Deixas um pé, toma lá medalha. Deixas tudo? Toma lá medalha. Quem sabe, um atavio mais vistoso. Um colar. Vamos entregá-lo ao teu pai. Pedaços de herói não têm hierarquia. São todos pagos à razão de uma medalha por pedaço, mesmo que seja o pedaço inteiro. O teu pai não vai ficar muito contente. Mas estará presente para a receber. Não por ele, cuja dor não vê medalhas. Mas por ti. O pensamento de que, ao menos, mereces isso mais do que ninguém, fá-lo-á estar presente. Pode sempre animar-se um pouquinho quando regressarem os que, de nós, sobrarem. Pode ir até ao cais e pensar que, se não tivesses ficado por aqui, também estarias a chegar naquele barco. Com um bocado de sorte, até pode ser que o caixão no qual vais regressar chegue em conjunto com um qualquer destacamento com a missão cumprida. A propósito, será que do lado dos guerrilheiros também há um dia da raça? Ou a nossa raça é tão diferente que justifica um dia especial inexistente para os outros?


Nessa noite, António Soveral ainda recebeu outro telefonema. Da Metrópole. Da mulher. Rafaela contara-lhe que o tal José António ia, dentro de dois ou três dias, para a Guiné. E insistira para que ela intercedesse junto do pai no sentido de olhar por ele. Como fora mobilizado por mau comportamento cívico, era bem provável ser destinado a alguma zona mais perigosa.

(continua)
Magalhães Pinto

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