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29.4.08

OS HERÓIS E O MEDO - 247º. fascículo

(continuação)

O esforço esgotara-o. Deixou pender a cabeça e continuou a gemer. Mário arremessou o copo de alumínio. A vasilha rolou até aos pés do prisioneiro, onde ficou, preparada para receber pingos da espuma avermelhada que começava a acumular-se nos cantos da boca do desgraçado.


Para que é que eu me meto onde não sou chamado? Que mal fiz, que mal fizemos, para sermos assim odiados? Este homem nunca esteve em Moscovo. Ninguém lhe ensinou o ódio. O ódio nasceu de semente natural. Nasceu, da exploração, dos recrutamentos, dos tributos, das palmatoadas, dos açoites, das violações, das prisões, dos ratos, da inaceitável e arrogante, sobretudo arrogante, supremacia do homem branco. Os pretos também têm alma ou o Cristo que nos trouxe um dia aqui é um mito. Que sentido posso encontrar na minha História quando confrontado com este ódio, simultâneamente repelente e fascinante? Gil, Diogo, Gama, Cabral, quejandos, foi para que eu fosse odiado assim que fostes heróis, que dominastes o mar profundo, que dobrastes o Bojador, que passastes ainda além da Taprobana? Não chegava o Adamastor? Chego a desejar que o Adamastor vos tivesse comido vivos…

(continua)
Magalhães Pinto

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