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25.4.08

OS HERÓIS E O MEDO - 245º. fascículo

(continuação)

Depois das primeiras bofetadas, para “partir o turra” como ele dizia, o Xerifo, à laia de ferrador, passava uma perna do prisioneiro entre as suas, enfiava o nó corrediço no pé do infeliz, apertava-o fortemente em redor do tornozelo e certificava-se de estar bem justo. Pegava na outra ponta da corda e iniciava o interrogatório. A partir desse momento, não havia alternativa para o prisioneiro senão falar, falar sempre, papagaio rebelde atado para não fugir. O primeiro silêncio provocava um forte esticão na corda, a deixar o interrogado a um metro do solo, de cabeça para baixo, braços ridiculamente abertos na vã tentativa de agarrar as paredes a girar, ébrias, à sua volta. Se a resposta ainda não vinha, Xerifo abria a mão que segurava a corda e o prisioneiro caía de malhão, num voo de desespero. E a operação repetia-se. Desta vez até que o rosto do homem estivesse à altura do rosto do carrasco, olhos fixos nos olhos, em chispas de ódio. Novo silêncio, nova queda. E o prisioneiro a subir, a subir sempre, Ícaro teimoso de asas grotescas, em voos a pique, num despique louco entre a vontade e o sofrimento. Aí a partir dos quatro metros de altura e com os reflexos de defesa perdidos, começavam a ouvir-se os primeiros ossos quebrados. Raramente os prisioneiros aguentavam até aí. Ou falavam antes ou nunca mais falavam.

(continua)
Magalhães Pinto

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