(continuação)
Xerifo Camará era um nédio e espadaúdo colaborador das tropas regulares. Fula de nascença, como atestavam os dois pares de incisões junto aos olhos, tinha concientemente optado por combater os guerrilheiros. Sabia que a minoria da qual era parte não escaparia a perseguições, se os brancos se fossem embora. Constava ter ele onze filhos de outras tantas mulheres. Era-lhe insuportável a ideia de que os balantas ou os papéis ou os bijagós ou outros quaisquer, semi-selvagens sem saber ler nem escrever, a comer com as mãos, que não respeitavam o grande profeta Maomé, pudessem amanhã persegui-los, a si e aos seus, prendê-los, fustigá-los, porventura matá-los. O físico avantajado de Xerifo, a sua força descomunal, o seu conhecimento de quase todos os dialectos falados na Guiné, tinham-no predestinado para um trabalho tranquilo ao serviço das tropas portuguesas. O interrogatório de prisioneiros. Trabalho cujos perigos eram longínquos e bem remunerado. Com a disponibilidade de Xerifo Camará, os militares podiam dormir com a consciência tranquila de não terem passado da palmatória de pneu nos seus quase sempre ineficazes ensaios de interrogatório.
(continua)
Magalhães Pinto
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