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Tal como na roleta russa, a roleta portuguesa transforma-se num jogo de nervos. Apercebemo-nos de que as coisas não estão a seguir o bom caminho. Vivemos os nossos dias em sobressalto. Sentimos que o jogo é perigoso. Muito ao jeito português, procuramos encontrar os “culpados” por estarmos metidos em tal jogo. Acusamos tudo e todos da viciação das regras. Olhamos para o alto. Apontamos o dedo à classe política. Construímos a indestrutível barreira que separa o “eles” do “nós”. Indestrutível e dupla-face. Porque “eles” também também fazem tudo para se separarem de “nós”. Cegos, não vemos que somos todos “nós”. Esse, um problema fulcral da democracia. Ainda em grande parte viciados nas regras de outros tempos, não vemos que a dicotomia desapareceu. Foram “eles” que conduziram o país ao estado de semi-bancarrota que vivemos. Mas somos “nós” quem arca, agora com os custos. Não percebemos que, se temos uma classe política minúscula nos seus objectivos, mesquinha nas suas modernices dos factos políticos inventados e explorados até ao enjoo mas que em nada contribuem para a nossa felicidade colectiva nem para o nosso bem-estar, uma classe política feita de anões a presumir de gigantes, essa classe política somos “nós”. Transformamos o país numa imensa romaria povoada de gigantones, por debaixo dos quais se esconde a nossa verdadeira e reduzida dimensão. Rimos alarvemente do espectáculo, sem medirmos que, nele, somos, simultaneamente, os espectadores e os actores. Sem repararmos que, tal como na fábula, quando as luzes da ribalta se apagarem, ficaremos no degrau corroído do palco, a chorar, feitos palhaços infelizes.
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Excerto da crónica A ROLETA PORTUGUESA - Magalhães Pinto - VIDA ECONÓMICA - 29/9/2002
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