(continuação)
A morte natural é motivo de alegria e celebração para os naturais da Guiné. Por três dias e três noites, a festa não tem parança. Juntam-se os familiares, - na tabanca são todos - e abandonam-se a uma orgia à qual chamam, paradoxalmente, de choro. Enterram o morto com todos os seus pertences íntimos, prevenindo, sem que disso tenham consciência, o perigo de contágio de doenças. Junto ao túmulo, quase imperceptível por falta de outro indício a não ser a terra recentemente revolvida, hábeis tamborileiros percutem, sem parança, a pele retesada de primitivos tambores, produzindo um tam-tam ora frenético, ora monótono, excitante dos sentidos. As danças de roda, acompanhadas de cantos indecifráveis, exprimem uma sensualidade provavelmente nascida na vegetação luxuriante dos trópicos e, por artes mágicas, transmitidas a corpos que parecem de borracha nos seus requebros impossíveis. Os homens, corpos de ébano musculados e possantes, fralda de pano riscado traçado no baixo ventre, colares e cintos de conchas a servirem de atavio, ora executam saltos mirabolantes, funambulescos, em que parecem mal tocar no chão, ora perseguem as mulheres. Estas, capulana a servir de saia, revoluteiam as ancas e saracoteiam os seios nus, numa dança lasciva, erótica, quase obscena. Exaustos, homens e mulheres, param, de quando em vez, para descansar. E entregam-se a outros sentidos. Aguardente de cajú à discrição, acompanhando a carne das vacas abatidas que jazem, numa poça de sangue já coagulado, no largo da tabanca. Energias refeitas, espírito mais toldado à media que o choro se alonga, logo retornam às danças, entremeadas por cópulas pouco escondidas, como se o grupo sentisse recrudescer, na celebração da morte, o instinto da conservação da espécie. Arrumados a um canto, os velhos, energias perdidas no labutar dos tempos, pouco mais fazem do que comer.
(continua)
Magalhães Pinto
Sem comentários:
Enviar um comentário