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31.5.08

OS HERÓIS E O MEDO - 278º. fascículo

(continuação)

Maria Có já não era bajuda. Os seus seios, várias vezes entrevistos por Mário no rápido traçar da túnica que os cobria, apresentavam indeléveis sinais de amamentação, no descaimento e nas estrias dum negro mais brilhante, provocadas pela dilatação do leite. Ainda não tinham chegado, porém, ao exagero das mais velhas, cujos sacos de café, como os soldados diziam, chegavam por vezes até à cintura. A carapinha era uma renda de bilros de infinita paciência, nas suas tranças miúdas coladas ao crâneo, ao jeito próprio das africanas. Tinha um aspecto asseado e dela exalava um odor fresco, a sabão. Meã de estatura, com uns olhos negros muito dóceis, a maior parte do tempo colados no chão. A dançar num sorriso silencioso e envergonhado. Os pais tinham-na trocado, ainda criança, por dez balaios de arroz e três frangos magricelas, ficando ela à espera da idade apropriada para satisfazer o seu senhor, um vendedor de fruta que, quando a guerra chegara, optara por se alistar na milícia. Apenas tivera tempo de lhe fazer um filho. Logo a seguir, morrera, numa operação militar na área de Bambadinca. Desde aí, ninguém conhecera outro homem a Maria Có. Mamadú já falara com ela. Estava disponível para ser a mulher de Mário, desde que este pagasse a renda da casa em Mansoa. Havia uma disponível, pertencente ao libanês, cuja renda era de cem pesos por mês. Maria Có mudaria os seus trastes para lá logo Mário assim o quisesse. Havia só um problema a resolver. Mas ele, Mamadú encarregar-se-ia disso. Maria Có, na tabanca, dormia num catre onde mal cabia ela. Era precisa uma cama onde coubessem os dois. Mamadú encarregar-se-ia de a mandar fazer. Tinha pensado em tudo, o nativo espertalhão. Inclusivamente o horário das visitas. Se fosse de dia, Mário haveria de a prevenir, fosse para ela não ir para a bolanha, fosse para arrumar o filho, na circunstância indiscreto. Se fosse de noite ou para dormir com ela, não havia problema. O filho adormecia cedo e ninguém o acordava mais até ser de manhã.

(continua)
Magalhães Pinto

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