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2.8.09

MEMÓRIA


Crónica de Magalhães Pinto, publicada no Matosinhos Hoje, em 29/6/2003, era presidente da Câmara Municipal Narciso Miranda.

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PECAR POR DEFEITO

Dizem que, quando a esmola é grande, o pobre desconfia. E é o que está a acontecer comigo. Vivi, anos a fio, a pensar que um dia alguém haveria de fiscalizar a Câmara Municipal. Não porque fosse evidente a existência de desperdícios muito grandes. Mas porque alguns pequenos que se conheciam exigiam, para nossa tranquilidade, que alguém independente se pronunciasse. E que não ficasse tudo no segredo dos quadros partidários.

Pois bem. O Senhor Presidente da Câmara decidiu propor - e fazer aprovar - uma decisão segundo a qual, daqui a nada, vamos ter uma auditoria aos serviços da autarquia. Bem haja, Senhor Presidente. Já o devia ter feito há muito tempo. Foi só agora, paciência. Vale mais tarde que nunca. É um pecar por defeito que se perdoa. E, se a gente pensar um bocadinho, até compreende.

No entanto, Senhor Presidente, eu tenho um pedido a fazer-lhe. Por uma grande razão. É que quando uma pessoa pensa em algo de bom, deve pensar em grande. Vossa Excelência pensou em auditar a actividade dos serviços camarários nos últimos quatro anos. Com o devido respeito, acho que está a pecar por defeito. Vossa Excelência deveria estender a auditoria, já não digo aos vinte e cinco anos que Vossa Excelência leva de autarca-mór cá deste reino, mas, pelo menos, aos últimos dez anos. Não é que V. Exa. não tenha razão de que, sendo o objectivo melhorar os serviços prestados ao munícipe, quatro anos fossem suficientes. Mas é que, nisto de Césares - de Florença ou de Matosinhos - não basta que a mulher seja séria, É preciso que também o pareça. E a verdade, Senhor Presidente, é que se limitar a quatro anos a auditoria aos serviços, não vai parecer séria. Não digo que o não seja. Só digo que não vai parecer sê-lo. E explico porquê.

Quatro anos é o tempo que leva de Vice-Presidência o até há pouco seu lugar-tenente, Dr. Manuel Seabra. Um matosinhense que, no exercício de um inalienável direito que assiste a qualquer homem bom, decidiu pensar pela sua - dele - própria cabeça. E que, pensando, acreditou que seria possível fazer melhor por Matosinhos. Podemos estar de acordo ou não com ele. Isso é outra coisa. Mas que teve coragem, lá isso teve. Mas que tem o direito de pensar tal, lá isso tem. E que até tem condições para atingir os seus objectivos, lá isso tem. E que as pessoas gostam dele, lá isso gostam. Tanto dentro como fora do seu - do Senhor - Partido. Como ficou provado nas três derrotas consecutivas que lhe infligiu. Então, o tal meu raciocínio sobre a mulher de César é o seguinte: se Vossa Excelência limita a quatro anos a auditoria aos serviços, os maus espíritos vão começar a pensar que V. Exa. está a fazer isso para ver se encontra uns números trocados no pelouro do Doutor. E, com toda a sinceridade. Vossa Excelência não merece que pensem isso.

Todavia, tal pensamento será inevitável. E, se tal pensamento acontecer, por força de V. Exa. persistir em semear ventos, vai seguramente colher tempestades. Quando isso acontecer, vou ficar triste. Porque, com todos os defeitos que lhe conheço, Vossa Excelência fez algo que se visse em Matosinhos. Se calhar, não tudo quanto poderia ter feito. Mas fez algo. O que acontece, Senhor Presidente, é que os seus tempos passaram. Acabou, Não há mais. Acho que Vossa Excelência deve aspirar a um razoável obrigado das gentes de Matosinhos. Obrigado que não terá - correndo o risco de uma simbólica defenestração - se persistir no que parece ser - mesmo que o não seja - uma mesquinha vingança contra alguém que o venceu lealmente nas urnas. É na derrota que se conhecem os homens grandes, Senhor Presidente. Não é nas vitórias.

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