. . . OS SINAIS DO NOSSO TEMPO, NUM REGISTO DESPRETENSIOSO, BEM HUMORADO POR VEZES E SEMPRE CRÍTICO. . .
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3.8.09
VIVA O ESTADO!
(Crónica de Magalhães Pinto, publicada na VIDA ECONÓMICA, em 16/7/2009)
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VIVA O ESTADO!
É uma história de viagens já idosa de mais de trinta anos. Nunca me esqueci dela. Há acontecimentos que, apesar de triviais, têm o condão de nos colocar frente aos olhos o esclarecimento de uma ideia, de uma situação, de uma realidade social. E esta, acontecida num momento em que eu – cumprido que fora o serviço militar, com guerra - ainda despertava para a vida de trabalho e social, ficou-me impressa no espírito para sempre. Eu conto.
Viajava por França, montado no meu Fiat 128. O desejo de conhecer o país onde meu pai fora emigrado e de cujas maravilhas eu ouvira falar desde o berço, fazia-me percorrer as terras gaulesas, meia dúzia de francos na algibeira, num carrito de baixo consumo. Naquele dia, vinha eu do norte, penso que de Paris, em direcção a Nice. Estávamos pelos fins dos anos sessenta. Numa altura em que Paris era a segunda maior cidade portuguesa e em que não havia canto francês que não acolhesse um português. Não raro, no meio da estrada, via um aceno para o carro a acompanhar um grito de “boa viagem!”. De início, perguntava-me o que me faria, a mim português, assim notado. Mas rapidamente descortinei que a denúncia partia da matrícula da viatura. Naquele tempo, as auto-estradas eram raras. Viajar era muito mais agradável, juntando aos quilómetros percorridos o conhecimento de cidades, vilas e aldeias. E foi numa pequena cidade francesa, ali já bem chegada ao sul, que tudo aconteceu. Valence, de seu nome. Eu ia a atravessar a cidade, no momento descendo uma rua comercial não muito larga, quando ouvi um automóvel atrás de mim a buzinar insistentemente, ao mesmo tempo que piscava, em intermitência rápida, todas as luzes. Não era ambulância, mas podia ser algo urgente. Abrandei a marcha e cheguei-me à direita tanto quanto pude. O dito automóvel ultrapassou-me rapidamente e, com surpresa minha, assim que me ultrapassou, meteu travões a fundo, pneus a ranger no asfalto. Comentei para quem me acompanhava: “vais ver que é a polícia…”. De dentro daquele veículo saiu um homem, que correu para o meu carro. Braços abertos. E eu alarmado. Que teria eu feito, que não notara. O meu mistério pessoal esclareceu-se quando ele chegou junto à minha janela. Gritou:
- Um português!..
Parei o motor e saí do carro. Para ser afogado num abraço apertado de alguém que eu não conhecia. Um emigrante, português ele também. Para encurtar razões e chegar ao que aqui me traz hoje, já não prossegui viagem, que ele não me deixou:
- Nah! Não vai embora sem vir tomar comigo um pastis, ali à esquina!..
E fui. Ele era, nitidamente, um cliente habitual do café, taberna ou lá que era. A dona do estabelecimento conhecia-o. Os demais clientes conheciam-no. Tanto, que um desses clientes, um italiano, com ar enfezado, pequenote mas de aspecto saudável, não esteve com cerimónias e sentou-se na nossa mesa para acompanhar a bebida. Foi aí que o meu compatriota me apresentou o italiano.
- Este é o Giacomo. Também é emigrante. Está aqui há sete anos (ele, português estava há seis, fugido da guerra). Mas sabe uma coisa? Nunca trabalhou a não ser nos sete primeiros dias em que esteve aqui…
Eu quis saber como era isso possível. Quem é que o sustentava. Como conseguia sobreviver, ademais num país estranho. Olhar agarotado e sorridente, quase de escárnio, foi o italiano mesmo que me respondeu:
- La Sécurité…
A Segurança Social lá do sito. Trabalhada a primeira semana e adquiridos os direitos com a primeira contribuição entregue, foi a baixa. Uma baixa que não cessara ao longo de sete anos. A providência do Estado Social Europeu. Ainda perguntei se não havia fiscalização.
- Há, mas as dores não se vêem… - respondeu o Giacomo Esperto.
Olhei-o. Olhei o pastis que ele beberricava. E vi neste, a boiar, as contribuições que tantos franceses pagavam para a Sécurité Sociale. Desde então que tenho julgado excessiva a protecção dada pelo Estado a quem não trabalha. Não porque entenda que o Estado não deva socorrer quem se encontra em estado de necessidade. Mas porque sei, ainda que sem apoio estatístico, que há muito preguiçoso a comer o que o Estado me tira a mim. Que de mim coma quem necessita, tudo bem. É a minha obrigação e é o seu direito. Mas que de mim coma quem não quer - assim mesmo, QUEM NÃO QUER - produzir o que come, isso é uma tremenda injustiça.
É com esta realidade presente que eu olho para as posições assumidas pelo Partido Socialista e pelo Partido Social-Democrata sobre o papel do Estado nas chamadas políticas sociais. E é neste quadro que eu entendo a expressão “rasgar as políticas” que a líder laranja usa. Rasgar para ficar nada em seu lugar, obviamente que não estou de acordo. E só por aleivosia alguém pode pensar que, quando ela diz aquilo, está a pensar que nada existirá em lugar do rasgado. Mas rasgar para colocar em vigor uma política social que seja exigente com os cidadãos, que force os preguiçosos a moverem-se, que evite que alguém esteja em casa, em lugar de a trabalhar, só porque ganha mais nada fazendo do que fazendo, ah!, isso não posso estar mais de acordo.
Aliás, o desastre deste meu país começa, em minha opinião, no baixo grau de exigência que temos, designadamente nas relações do todo – o Estado – com cada um – o cidadão. Se excluirmos o domínio fiscal, onde o Estado leva a sua exigência ao ponto de inverter o ónus da prova, em todas as demais áreas não somos exigentes. E, o que é pior, estamos a agravar o problema. Basta atentar no que se passa nas nossas escolas, onde inculcamos nos que só agora iniciam a sua vida social a noção de que tudo são facilidades. Acostumados a ver que o Estado lhes oferece um diploma sem exigir esforço de volta, os nossos jovens chegarão à idade adulta e pensarão que também o que comem lhes deve ser oferecido graciosamente.
Faz-me sorrir a verificação da tremenda distorção do socialismo que esta situação configura. O socialismo que, mais do que qualquer direita, é teoricamente exigente em matéria de trabalho. “A cada um segundo o seu trabalho” é uma máxima de esquerda, não é uma máxima de direita. Mas os socialistas modernos aplicaram o conceito apenas à mais-valia, não à menos-valia. E temos assim milhares de parasitas a sugar o suor de outros milhares. Fazendo-o, como o Giacomo da minha história, com um sorriso malicioso, quase de escárnio, no olhar.
Viva o Estado! Social, pois claro.
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3 comentários:
Parabéns. Penso exactamente o mesmo. Obrigado pelo seu texto.
Falando da pouca exigência deste pais, lembrei-me duma experiencia que tive há uns anos. Aconteceu no início dum ano lectivo, num Instituto de Línguas onde eu ensinava os cursos da Universidade de Cambridge, que por sinal são bastante exigentes. Na aula de apresentação, do curso de Proficiency, surge uma aluna, ligeiramente mais velha do que o resto (com uns 23 anos talvez, as colegas eram quase todos de 16-18 anos), na maioria antigos alunos meus dos niveis anteriores. Esta dita aluna, apresenta-se ao resto do grupo como uma professora de Inglês em exercício, numa escola do Estado, licenciada em Inglês, e "verdadeiramente não necesitava estes aulas, porque já sei tudo". Fiquei logo de pé atraz, porque nunca NINGUEM sabe tudo, nem da nossa própria língua-mãe!! Nunca!! Há sempre algo para apreender. Mas emfim, há gente assim.
Como é habito, nestes niveis mais avançados, todos os meses os alunos são submetidos a um exame completo, (Escrita criativa, textos de leitura, gramática e "listening") de mais ao menos 6 horas, incluindo uma entrevista oral. A média de cada parte do exame é registrado, e em Fevereiro do ano seguinte, e de acordo com as médias obtidas em cada seccão do exame, a professora recommenda ou não, o aluno a fazer o exame oficial final, geralmente em finais de Maio.
Conclusão: a aluna sr. professora, licenciada em Inglês, NUNCA consegui ter uma média mais alto do que 8,5 enquando alguns dos seu colegas, tinham médias de 16 e 17, com uma ou duas com médias de 18, em todas as partes do exame!! E claro, eu não podia recomendar este "professora" para o exame final da Cambridge. Ela decidiu fazer-lho na mesma, sem a tal recomendação e os resultados?? Consegiu apenas uma média de 6,5. Explicam-me por favor, como é possível de ter pessoas "licenciadas" com tão fraca qualificação e apetência?? Se os próprios professores tem este pouca exigência, como podem formar os seus alunos??
Temos um excellente exemplo, duma "licenciatura" do nosso PM. Como um exemplo deste, quem pode condenar os outros de seguirem o exemplo?? Como se disse na minha língua: "Living up to expectations!"
PS: Corrige os meus errors antes de publicar.
Obrigado pela visita e pela esclarecedora história contada.
Não corrigi o texto (aliás, quase perfeito), para que fique com esse gosto especial de uma cidadã de outra nacionalidade que tão bem domina o nosso idioma.
Volte sempre Tisha.
Magalhães Pinto
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