(continuação)
Num dos cantos do mercado estão os fulas, envoltos nas suas alvas túnicas, barrete de lã, redondo, encastoado por uma borla, à boa moda maometana. No meio da algazarra geral, têm comportamento de nobres. São discretos nos gestos e suaves na voz. À sua frente, estão expostas estatuetas de sândalo e de pau preto, algumas delas verdadeiramente artísticas. Quando alguém mostra interesse por uma peça de sândalo, dão-na a cheirar ao potencial cliente, para que este se certifique da veracidade da matéria prima. Ninguém garante que seja sândalo. Pode muito bem ser embondeiro engraxado e perfumado com essência do dito. Menos falsificáveis são as esculturas em pau preto, aos montes. Os temas repetem-se. Figuras humanas e animais. Algumas, especialmente as gazelas, de uma elegância admirável. O Álvaro pega numa, esquisita, para uma observação cuidada. Representa, da base ao topo, uma pirâmide de crianças, negras na matéria-prima e nas feições. Braços entrelaçados, como se estivessem a ajudar-se mutuamente para não soçobrar nalguma corrente impetuosa a ameçar afogá-los. Uma expressão de pânico parece animá-las. Negritude, baptiza-a Álvaro. Os fulas aproveitam sabiamente do gesto da oferta para abrir, ante os tentados olhares do potencial comprador, uma cortina de colares de missanga, aparentemente entretecidos de gotas do arco-íris, de tal modo são coloridos. Parecem avaliar bem os clientes. Ao Álvaro e ao Manuel, cujo ar de maçaricos acabados de chegar, se cheirava à légua, preferem oferecer os rádios e gira-discos japoneses, também expostos à sua frente. Alguns, gigantescos. O mato deve estar cheio deles. É bem provável serem subsidiados por Conacri, para que a voz da revolução chegue a toda a parte, na Guiné Bissau. Se o cliente já mostra, no modo de fardar e no cansaço do olhar, a sua veterania, prestes a determinar o regresso, então a insistência dos fulas desloca-se para a promoção de estatuetas e colares. Recordação para enamoradas, na Metrópole. Álvaro decidiu adquirir um receptor de rádio. Sempre seria uma companhia. Mas havia uma dificuldade. A maior parte do dinheiro que trazia consigo ainda era metropolitano. E este não tinha circulação oficial na Província. Uma negação da integralidade pátria, pensou. Mas a dificuldade foi de imediato resolvida. Qualquer moeda serviria. E o facto de ser moeda da Metrópole ainda embaratecia o negócio. Os escudos metropolitanos valiam dez por cento mais. O aparelho acabou por sair uma pechincha. Quando Álvaro tentou experimentá-lo, o vendedor mostrou-lhe as pilhas. Havia que comprá-las em separado. Acabou por esportular mais umas moedas.
(continua)
Magalhães Pinto
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